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O tempo de Nelson
Introduzir uma questão sobre Vestido de noiva não é uma tarefa fácil. Mesmo um texto crítico pode sofrer do fato de toda a dramaturgia de Nelson Rodrigues ter sido amplamente montada, vista e analisada. Claro que isto tem a ver com a peça ser um texto ícone da dramaturgia brasileira. O texto de Nelson tornou visível uma formação estrutural e uma temática, cujo desdobramento foi o de se mostrar como um clássico. Um texto pode ser considerado um clássico por sua capacidade de mimetizar a atualidade em que é encenado, na medida em que traz questões e modos de encenação ainda não plenamente identificáveis e que, por isso, podem ser reconhecidos, ou traduzidos por diferentes épocas. Então, de alguma forma, estamos falando e pensando na questão do tempo quando nos referimos aos textos que, como o de Vestido de noiva, são capazes de trânsito entre épocas.
O texto externado
Em cartaz no Poeirinha até fevereiro, o espetáculo Mulheres sonharam cavalos dá continuidade à parceria entre a atriz e tradutora Letícia Isnard e o diretor Ivan Sugahara, que em 2011 trouxeram à cena carioca textos contemporâneas de autores argentinos. O primeiro, A estupidez, de Rafael Spregelburd, estreou em abril, com a Cia. Os Dezequilibrados, no CCBB. O segundo é o texto do espetáculo em questão, de Daniel Veronese, encenado por um grupo distinto, que envolve componentes da Cia. e outros atores.
Uma encenação na frontalidade
A encenação dirigida por Moacir Chaves de O retorno ao deserto, texto de Bernard-Marie Koltès, produz um continente tensionado pelas noções de superfície e profundidade por meio da opção de valorização da palavra como vetor da teatralidade. Essa tem sido, em uma boa medida, uma das investidas observáveis no trabalho do diretor, que cria zonas de contrastes para a recepção, construídas por um movimento de aproximação e de distanciamento que abre espaço para o jogo reflexivo. A ideia de uma teatralidade pautada pelo texto orientou fortemente o teatro ocidental, mas foi paulatinamente desconstruída em favor dos demais elementos da representação teatral na contemporaneidade. Assim, O retorno ao deserto aparece como um objeto constituinte de uma historicidade teatral, na razão própria de seu deslocamento.
Quanto texto, quanta estupidez
Em cartaz no Teatro II do CCBB – RJ durante os meses de abril e maio, a Companhia Os Dezequilibrados comemora seus quinze anos com a encenação do texto A estupidez, do dramaturgo argentino Rafael Spregelburd. O texto faz parte de uma heptologia inspirada no quadro de Hieronymus Bosch, A roda dos pecados capitais. Em foco estão os supostos pecados do homem contemporâneo. Por exemplo, dentre os outros textos que fazem parte da série estão A paranoia e A teimosia. A escolha, da Companhia, por A estupidez revela o desejo de falar, claro, da estupidez humana, e também evidencia um processo marcado pela presença primordial do texto.
Memória sem sujeito
“Todas as mensagens foram apagadas” é o título da primeira das 17 situações para o teatro. Poucas passagens ecoam de forma tão atemorizante para a contemporaneidade como este ruído de ausência. Na era dos terabytes, das milhares de fotos domésticas arquivadas com a esperança de registrar todos os dias de nossas vidas; raros são os textos que peitam a aquiescência da narração, tal como a peça Tentativas contra a vida dela, de Martin Crimp, dirigida por Felipe Vidal, em cartaz no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto.