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Imagens documentadas de um urro!
A imagem da capa do disco Cabeça Dinossauro dos Titãs de 1986, a mesma do programa da peça aqui discutida, é a de um homem urrando inspirada num estudo de uma gravura de Leonardo da Vinci, conhecido pintor do Renascimento. A imagem de uma cabeça que urra reforça a ideia de um disco em que o título Cabeça Dinossauro evoca uma força de resistência dos Titãs diante da caretice e do moralismo de uma sociedade que, apesar do recente fim da ditadura militar, ainda se ancorava em princípios reguladores ultrapassados.
O enigma do real
O espetáculo Garras curvas e um canto sedutor, texto de Daniele Avila Small e direção Felipe Vidal, que esteve em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, trouxe ao tablado a construção de um espetáculo realista, em que o tratamento do real parte de uma compreensão filosófica diversa da comumente associada às obras que se emaranham na problemática do realismo.
Grandes trabalhos artísticos se construíram e se constroem em relação direta com o real, ainda que tenham a consciência de que esse é sempre uma convenção de linguagem, isto é, um modo de operação da mímesis com os códigos ou com as leituras dos mesmos no mundo concreto.
A força da forma intuitiva
Depois da Queda é um texto do dramaturgo norte-americano Arthur Miller que expõe a reflexão do autor sobre seus próprios movimentos de autodestruição. Trata-se de uma exposição autobiográfica, quase como um tratado filosófico sobre si, mas que magistralmente se estabelece por meio de uma relação de alteridade – toda e qualquer possível conceituação de si, o autor estabelece naquilo que se pode enxergar de destrutivo no que o outro realiza. A autobiografia é ficcionalizada, sem dúvida, mas ela não se anula, é um recurso para falar daquelas questões mais óbvias – celebridades, família – mas é também um modo de colocar um indivíduo com todo o seu discurso psicológico em cena, justificado de certo modo por suas ideias. Deste jeito, o texto fica meio “retrato” do homem de uma época e, ao mesmo tempo, ele é “retrato” biográfico de um homem específico e importante, que foi o Arthur Miller. O texto se torna uma sobreposição de retratos: o do homem específico e o do homem histórico. Escrita em 1964, a peça cria uma instância de expressão sobre os sentidos possíveis de momentos em que a história parece mesmo não ter sentido algum como ideia, a não ser inserida em outra série.
Intraduzível
O diretor Felipe Vidal, que já havia montado a peça Tentativas contra a vida dela, de Martin Crimp, continua sua relação com o autor inglês montando Duplo Crimp. Este é um projeto composto de duas peças, O campo e A cidade, ambas traduzidas por Daniele Avila Small, e que estiveram em cartaz no Teatro Gláucio Gill de 13 de janeiro a 13 de fevereiro.
É inevitável estabelecer, primeiramente, a ordem destas em relação a Tentativas. Sendo um marco na carreira e no estilo de Crimp, Tentativas fundamentou elementos dramatúrgicos que podem ser vistos em iminência na peça O campo e já bem explorados em A cidade. Vamos nos ater especialmente na construção das identidades de seus personagens e das questões postas aos atores para interpretá-los.
Memória sem sujeito
“Todas as mensagens foram apagadas” é o título da primeira das 17 situações para o teatro. Poucas passagens ecoam de forma tão atemorizante para a contemporaneidade como este ruído de ausência. Na era dos terabytes, das milhares de fotos domésticas arquivadas com a esperança de registrar todos os dias de nossas vidas; raros são os textos que peitam a aquiescência da narração, tal como a peça Tentativas contra a vida dela, de Martin Crimp, dirigida por Felipe Vidal, em cartaz no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto.