Tag: luciana fróes
Meios que encarnam a fala
A peça Matamoros, idealizada por Maíra Gerstner e dirigida por Bel Garcia, encena o conto de Hilda Hilst Matamoros (da fantasia), que conta a história de uma menina pelo viés da sua sexualidade em confronto com a porção familiar, a herança dos modos de ser e agir em tudo aquilo que acaba dando um contorno para o vivido. As trajetórias de mãe e filha se entrelaçam por acontecimentos da relação de afeto das duas, ainda na infância, que tenta reposicionar a sexualidade da menina. Mais tarde, ambas se verão na disputa por um mesmo homem. Isso faz com que apareça uma experiência que transita entre o desejo e um florescimento da vida e a inevitável sensação de morte que acompanha o novo quando faz desabar aquilo que parece nos prender. A morte surge como elemento inevitável de todas as promessas daquilo que é vivo. Dá-se uma espécie de encarnação da maternidade e da finitude pelo lado da apreensão da filha, ao mesmo tempo em que sua criação de fantasia propõe um falseamento que renova os significados da relação entre as duas.
Corações comovidos… e outras histórias
O texto que segue foi publicado no Jornal do Brasil em 13 de maio de 2009, durante a primeira temporada desta peça, que estreou no Oi Futuro Flamengo e agora reestreia no Teatro Nelson Rodrigues. Para esta edição, foram modificadas as informações sobre a temporada e outros detalhes, mas foram mantidos o formato e a extensão, característicos da crítica escrita para o jornal impresso.
Esqueça as fantasias de personagens da Disney, as peças infantis que imitam filmes que todo o mundo já viu e as insossas histórias de princesas. Em cartaz Teatro Nelson Rodrigues para uma curta temporada, A mulher que matou os peixes…e outros bichos passa longe da mesmice do teatro infantil. Não sobra um clichê pra contar a história. Aliás, a peça também não segue o protocolo que determina que, para fazer uma peça infantil, é preciso contar uma história. Ela conta várias: a da mulher que matou os peixes, do gato acertadamente apelidado Pinel, de vários cachorros que não estão mais entre nós, de uma macaca que também não teve vida longa, enfim, a peça reúne uma série de relatos improváveis para o divertimento. A morte dos bichos de estimação, um dos fatos da infância que parece sacudir a forma como as crianças veem o mundo, é um tema que permeia toda a peça. Mas sem apelação para a choradeira. Pelo contrário.
Memória sem sujeito
“Todas as mensagens foram apagadas” é o título da primeira das 17 situações para o teatro. Poucas passagens ecoam de forma tão atemorizante para a contemporaneidade como este ruído de ausência. Na era dos terabytes, das milhares de fotos domésticas arquivadas com a esperança de registrar todos os dias de nossas vidas; raros são os textos que peitam a aquiescência da narração, tal como a peça Tentativas contra a vida dela, de Martin Crimp, dirigida por Felipe Vidal, em cartaz no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto.
Quando a tecnologia é transformada em efeito
O espetáculo What’s wrong with the world?, em cartaz no Oi Futuro, conforma uma proposta inovadora: quebrar as barreiras geográficas e subjetivas entre os continentes pela cena simultânea no Brasil (Rio de Janeiro) e na Inglaterra (Londres), transmitida ao vivo via internet streaming – “tecnologia que possibilita transmissões ao vivo em broadcasting – rádio, TV e teleconferência.” O espetáculo integra a série Play on earth das companhias Philia 7 e Station house opera, que, em sua primeira edição brasileira, em 2006, contou ainda com a participação da Theatre works, de Singapura. A idéia que o projeto sugere é a de que a pesquisa de linguagem, atualizada em tempo real pela internet e desenvolvida por cada companhia através de suas próprias construções cênico-dramatúrgicas, discuta a virtualidade, a troca de informações por indivíduos distintos e, talvez, a transformação lúdica do nosso conceito de diáspora. Contrariamente a diáspora, que figura os povos (pertencimento) espalhados pelo mundo em comunidades, a proposta do espetáculo parece destruir a noção dessas comunidades como porções subjetivas. O subjetivo é intercontinental.