Estudos

Criaturas portadoras de discurso

18 de janeiro de 2011 Estudos
Espetáculo André, de Philippe Minyana, direção de Christianne Jatahy. Na foto, Marcela Moura.

“Antes de vê-lo por inteiro eu vi primeiro suas costas”

André, de Philippe Minyana


No meu primeiro encontro com André, ele se apresentou de costas, como um bloco sólido de palavras sem pontuação, com alguns espaços entre certos parágrafos. Bloco de palavras estrangeiras, francesas, com seu fluxo alucinante. Ao tentar me aproximar delas, me ludibriavam dando voltas num labirinto, produzindo uma música que desviava minha atenção e faziam com que imagens viessem dançar em meus olhos.

Comecei a ler o texto em voz alta, de forma lúdica, pronunciando as palavras em francês. Prestei atenção no volume de ar necessário para falar o maior número possível de palavras por período. Quando não conseguia terminar um bloco de texto sem pontuação na mesma respiração, percebia as nuances de sentido que apareciam em cada pausa respiratória diferente. Dependendo do fluxo de ar nos pulmões, uma nova musicalidade do texto aparecia e novos sentidos se desenhavam.

Personagens nas peças de Sarah Kane

14 de novembro de 2010 Estudos

O presente texto faz parte de uma série de estudos realizados durante o meu período de mestrado em Artes Cênicas na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e aborda as cinco peças da autora inglesa Sarah Kane (1971 – 1999) a partir das convenções de personagens.

Sarah Kane trabalha com a (des)figuração como um dos elementos -chave que atravessa o corpo das personagens e que repercute, de maneira intensa, na estrutura dramática do texto. Na desfiguração das personagens, o corpo é levado a estados intensos, como a amputação e o gozo, até a figuração mínima onde há apenas vozes. A fala seca e precisa, por vezes lacônica e “insuficiente”, funciona como uma extensão deste “corpo” cuja voz e discurso são explorados quando “não é possível dizer nada”. As identidades desfeitas ou não fixas também são características presentes na investigação dramatúrgica de Sarah Kane, em que o lugar de onde estas vozes falam (especialmente em Crave e 4.48 Psychosis) é constantemente desestabilizado. Estruturalmente, os elementos como o tempo, o espaço também sofrem desestabilizações, onde convenções de unidade e definições precisas são transgredidas ou simplesmente não são oferecidas ao público. O tempo – que é tratado ora de modo impreciso, ora obedecendo a um ritmo rigoroso – é (des)construído por elementos diversos como a repetição, a desarticulação das falas, as respirações pontuadas etc. O espaço, igualmente instável, é desestabilizado por meio de recursos como a detonação radical do cenário entre uma cena e outra, a inserção de personagens de outro “contexto”, a ligação frágil entre as cenas; o “sentido” analógico das relações interpessoais entre personagens, nas quais o espaço, ao invés de ponto de apoio, ganha mobilidade ou permanece indefinido. A noção de “enredo” também é desconstruída de maneira progressiva ao longo das cinco peças de Kane, implicando numa ação que oscila entre a atrofia de sua importância para a estrutura dramática e a construção de fluxos de ações, que se dão apenas através das falas, ações de sustentabilidade efêmera.

Traços por toda parte

17 de setembro de 2010 Estudos

Este artigo foi escrito em 2008, numa primeira aproximação com a peça Tentativas contra a vida dela, de Martin Crimp, cujo projeto de montagem foi elaborado no início de 2009 e estreou em maio de 2010 no CCBB de Brasília.

A proposta deste estudo é analisar as peças Grande e pequeno de Botho Strauβ e Tentativas contra a vida dela de Martin Crimp, a partir da idéia de drama de estação. Algumas considerações serão feitas a partir de aproximações entre essas duas peças e O sonho de August Strindberg. Pretendo especular sobre a possibilidade de ler as peças de Strauβ e Crimp como tentativas contra o drama de estação a partir da utilização dessa mesma estrutura.

Em O sonho, a personagem central, Inês, tem o propósito de experimentar o mundo dos homens, vivê-lo. Ela passa por uma série de quadros que contêm situações humanas pelas quais ela precisa passar. Esses quadros têm elementos em comum, entre eles, uma porta que precisa ser atravessada. Há, na dramaturgia de Strindberg, uma luta contra alguma coisa, seja contra a miséria dos homens, como em O sonho, ou contra alguma espécie de destino ou ainda contra culpas do passado, como em O caminho para Damasco. Inês tem uma trajetória. Ela entra no mundo, passa por situações que fazem com que ela conheça esse mundo, depois vai embora com algumas conclusões. Ela não deixa de ser Inês, filha de Indra, e sua opinião sobre os homens, de que eles são dignos de lástima, é a mesma do início ao fim. O protagonista de O caminho para Damasco também não se transforma, ele segue cometendo os mesmos disparates, como jogar dinheiro fora quando está a ponto de ficar sem dinheiro nenhum, e segue esbravejando contra Deus. O percurso que eles fazem é uma espécie de volta sobre si mesmo.

Confrontações entre o texto literário e o texto dramatúrgico

28 de agosto de 2010 Estudos
Foto: divulgação.

“…fingindo, passam então as histórias
a ser mais verdadeiras que
os casos verdadeiros que elas contam…”

(Memorial do Convento p.134).

Introdução

O presente estudo tem como objetivo confrontar o texto literário de O Memorial do Convento, escrito por José Saramago, com o texto dramatúrgico homônimo adaptado por José Sanches Sinisterra e Christiane Jatahy em 2003.

O interesse está em observar como se deu a transformação de um texto originalmente literário para uma estrutura dramática e em que pontos a obra inicial se modificou com a transição para a cena. A intensão deste estudo é corroborar com a hipótese levantada pela Drª Maria Helena Werneck, professora da Escola de Teatro e do departamento de Teoria Teatral da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Werneck afirma que a forma mais antiga de transposição do texto da literatura para o teatro interfere na estrutura narrativa com a adoção de princípios dramáticos, como a presença dos personagens, como lastro psicológico ou tipologia social, do diálogo intersubjetivo e do conflito. A permanência do realismo cênico está, no entanto, abalada pela fonte literária, que interfere na analogia entre verdade e ficção, oferecendo-se uma ficção anterior como referência. A ideia de “teatro como quadro fiel do que se passa no mundo”, acaba refratada duas vezes, pela materialidade do texto literário e pelo suporte da materialidade cênica, criando uma forma de intertextualidade, que pode se apresentar mais ou menos explícita no texto adaptado ou na cena construída.

Criação dramatúrgica e recepção crítica

14 de julho de 2010 Estudos

Texto apresentado para a 9ª Jornada de Iniciação Científica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 16/06/2010.

I. Introdução

Esta comunicação se destina, como tarefa primordial, a investigar a produção estética instauradora de novas possibilidades de criação ficcional, no espaço do palco, a partir da experimentação e manipulação de textos originalmente escritos para publicação em livro. Em particular, pretendo me debruçar, de maneira detalhada, na análise da produção cênica e dramatúrgica de montagens oferecidas ao público carioca, no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, pela Companhia Aberta. O grupo tinha a liderança da encenadora Bia Lessa, que em curto espaço de cinco anos (tempo que durou a companhia) apresentou versões singulares de quatro espetáculos baseados em obras da literatura universal. São estes: Orlando, romance da escritora inglesa Virgínia Woolf, Cartas portuguesas, baseado em cartas escritas pela freira portuguesa Mariana Alcoforado no século XVII, Viagem ao centro da Terra, romance de espírito cientificista de Julio Verne e, finalmente, O homem sem qualidades, obra inacabada do austríaco Robert Musil. Para tanto, a metodologia aplicada elegeu, como fonte essencial de busca e apreensão de dados sobre as encenações, os discursos de materiais jornalísticos publicados em suplementos culturais à época da encenação, coletados no arquivo histórico do próprio CCBB.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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