Tag: sarah kane
Imagens de dissociação
Vol. VIII n° 66 dezembro de 2015 :: Baixar edição completa em pdf
Resumo: Esse estudo analisa proposições de imagens cênicas de “dissociação” a partir da peça 4.48 Psychosis (Psicose 4.48) de Sarah Kane, da montagem de Hamlet pelo Wooster Group, e da peça Hotel Methuselah do grupo Imitating the Dog.
Palavras chaves: Forma, Sarah Kane, Wooster Group, Imitating the Dog, Shakespeare
Abstract: This article analyses the theatrical images of “dissociation” proposed on Sarah Kane’s play 4.48 Psychosis, The Wooster Group staging of Hamlet and Imitating the Dog’s play, Hotel Methuselah.
Keywords: Form, Sarah Kane, Wooster Group, Imitating the Dog, Shakespeare
“Viver é defender uma forma” – Fredrich Hölderlin
A desvinculação aparece como um sintoma na obra da autora inglesa Sarah Kane, um mote recorrente que endereça experiências limítrofes, rupturas violentas com o “mundo” (ou com o “mundo” conforme o conhecido até então). Trata-se de questões que emergem em sistemas de representações artísticas diversos. Porém, obras e olhares que investigam as fronteiras da existência, como estas que examinam a sensação aguda de desvinculação, isolamento, dissociação, desdobram-se numa equação muito específica quando usam o teatro como campo de expressão. O teatro, essa arte relacional e presencial (mesmo quando se trata de presenças em crise), tensiona em sua especificidade este sintoma irresoluto da desvinculação. O esgarçamento do mote em sua forma teatral (antes mesmo de qualquer operação ligada a procedimento técnico) está na demanda desta arte de uma vivência coletiva, ou, no seu mínimo, na conexão com outro alguém presente.
Personagens nas peças de Sarah Kane
O presente texto faz parte de uma série de estudos realizados durante o meu período de mestrado em Artes Cênicas na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e aborda as cinco peças da autora inglesa Sarah Kane (1971 – 1999) a partir das convenções de personagens.
Sarah Kane trabalha com a (des)figuração como um dos elementos -chave que atravessa o corpo das personagens e que repercute, de maneira intensa, na estrutura dramática do texto. Na desfiguração das personagens, o corpo é levado a estados intensos, como a amputação e o gozo, até a figuração mínima onde há apenas vozes. A fala seca e precisa, por vezes lacônica e “insuficiente”, funciona como uma extensão deste “corpo” cuja voz e discurso são explorados quando “não é possível dizer nada”. As identidades desfeitas ou não fixas também são características presentes na investigação dramatúrgica de Sarah Kane, em que o lugar de onde estas vozes falam (especialmente em Crave e 4.48 Psychosis) é constantemente desestabilizado. Estruturalmente, os elementos como o tempo, o espaço também sofrem desestabilizações, onde convenções de unidade e definições precisas são transgredidas ou simplesmente não são oferecidas ao público. O tempo – que é tratado ora de modo impreciso, ora obedecendo a um ritmo rigoroso – é (des)construído por elementos diversos como a repetição, a desarticulação das falas, as respirações pontuadas etc. O espaço, igualmente instável, é desestabilizado por meio de recursos como a detonação radical do cenário entre uma cena e outra, a inserção de personagens de outro “contexto”, a ligação frágil entre as cenas; o “sentido” analógico das relações interpessoais entre personagens, nas quais o espaço, ao invés de ponto de apoio, ganha mobilidade ou permanece indefinido. A noção de “enredo” também é desconstruída de maneira progressiva ao longo das cinco peças de Kane, implicando numa ação que oscila entre a atrofia de sua importância para a estrutura dramática e a construção de fluxos de ações, que se dão apenas através das falas, ações de sustentabilidade efêmera.
O exasperante som do sofrimento
“Depressão é ódio”. Esta conclusão, uma das externadas pela personagem de Psicose 4h48 (última peça da falecida dramaturga Sarah Kane), parece ter, em alguma medida, norteado o trabalho do diretor Marcos Damaceno, no que se refere ao registro de atuação ambicionado para Rosana Stavis. Damaceno procurou fazer com que a atriz buscasse modos de dizer o texto que evidenciassem, em especial, a raiva diante de um sofrimento exasperante em sua constância infinita. Como um ruído que não desaparece, uma interferência que não cessa. Ainda que fique a impressão de que determinados trechos ganhariam com um pouco mais de contenção, a opção é bastante defensável.