Estudos

Notas sobre a paisagem

14 de julho de 2010 Estudos

Sobre o autor:

1. Partindo de uma impressão de “lugar-estado”, é possível pensar um uso específico da palavra deserto como categoria crítica na análise da paisagem poética em Koltès: o deserto enquanto sombra. Não se trata aqui de pensar apenas o deserto físico como natureza inóspita e exuberante; antes, retirar da paisagem concreta o conteúdo de suprema desterritorialização, a sensação de terra de ninguém, ou de passagem de viajantes rápidos, ou morada de animais pouco visíveis; lugar onde o perigo está sempre à espreita. Utilizar a transitoriedade desértica como metáfora de uma sensação muda de perigo sempre iminente: o homem em contato com a sua sombra nas figuras da solidão, da animalidade, do cadáver.

O deserto se instala em Koltès pela passagem das horas: em áreas comuns ao habitat humano das grandes cidades – um canteiro de obras, um parque, uma estação de metrô, uma prisão, a casa –, ele aparece ao entardecer ou à noite, quando no espaço não há mais trânsito corriqueiro e povoado. Através da mudança, ou da falta de luz, o deserto chega no tempo como sombra e vazio, e inunda o espaço, transformando a paisagem.

A imagem permanece transitória

13 de junho de 2010 Estudos

O que torna possível uma imagem conjugar simultaneamente em sua natureza transitoriedade e permanência? O que faz esta imagem desejar este paradoxo? Para a geografia, cada paisagem é singular, e dar conta da imensa gama de detalhes que ela comporta estabelece experiências imagéticas igualmente singulares. Em busca destas qualidades de estado a arte contemporânea incorpora a cada nova experiência estética propostas da ordem da especificidade, da experiência, do acontecimento, do processual, do variável, da flutuação, da impermanência, da efemeridade e da desmaterialização da matéria e corpos, ao mesmo tempo em que investe na particular qualidade de presença capaz de re-configurar o corpo em sua dimensão de sujeito. Mas o que torna uma imagem presente? Quanto mais a obra de arte contemporânea potencializa sua singularização através da sensorialidade experimentada no tempo e no espaço, com maior intensidade consegue estabelecer relações também singulares, múltiplas, entre sua estrutura e os receptores. Nesta elaboração a dimensão de acontecimento torna-se fundamental, colocando em foco as evidentes estratégias de brevidade do ato onde a finitude de sua construção, ou seja, a sua morte, coloca os espectadores diante do paradoxo. A imagem quer permanecer, mas já anuncia a sua partida. O acontecimento em sua maior força de permanência absorve os sujeitos que interagem com ele e, mesmo após a sua morte, continua ecoando indelével na experiência vivida.

Notas sobre o corpo e sua condição de cadáver – paradoxos e procedimentos do corpo treinado

28 de abril de 2010 Estudos

Parece existir uma espécie de lacuna entre as práticas de treinamento de atores e as possibilidades de transformação das mesmas em pensamento teórico para além das salas de ensaio. Talvez, essa defasagem se deva ao paradoxo que é próprio da linguagem teatral de ser, na realidade, um pensamento que se revela como matéria posta em cena. Daí a dificuldade de formular teorias sincrônicas entre as práticas atoriais e as possibilidades de pensamento que delas advêm. Podemos incluir aqui nessa questão o fato de que as referidas práticas estão, de certo modo, envolvidas em uma zona sempre de deslocamentos, na medida em que lidam necessariamente com os processos subjetivos dos sujeitos, o que imprime uma instabilidade aos possíveis conceitos. Portanto, acredito ser pertinente que pensemos o assunto em consonância com as discussões filosóficas que, por natureza das mesmas, são tentativas de nomear os fenômenos, de lidar com o inexprimível no âmbito da linguagem. É claro que estabelecemos assim uma instância de atrito, pois segundo Walter Benjamin em sua teoria da linguagem, para falar de arte não podemos lançar mão de uma fala identificada com a dos técnicos, mas nesse contexto “linguagem significa o princípio orientado para a comunicação de conteúdos intelectuais” (BENJAMIN: 1992, 177).

Um outro o mesmo

25 de abril de 2010 Estudos

“Mentir, o enunciar de coisas belas e falsas, é o verdadeiro fim da Arte”
Oscar Wilde, Intenções

Pretexto

Começamos a digressão em torno da noção de Personagem Intermédia por um breve pretexto, a própria noção de personagem, no sentido que João Brites atribui a um pretexto, “uma ideia que conduz à acção”.

A ideia da personagem como ser vivente modificou-se no teatro na viragem para o sec. XX. Se, até aí, o paradigma literário caracterizava a primazia da criação teatral, agitava-se então a passagem para um paradigma espectacular, que caracteriza ainda o teatro no recurso aos seus próprios meios e linguagens. Este questionamento do estatuto da personagem conduziu a estratégias diversas de representação dos modos de ser humano, da apresentação de personas e, sobretudo, das condições de ser outro, premissa fundamental da invenção e presença de personagens.

A noção de corpo-sem-órgãos em Artaud e no Teatro da Crueldade

19 de março de 2010 Estudos

1) Um homem que inquietou os homens

Antonin Artaud empenhou sua vida para expressar uma visão acerca da “verdadeira e imortal liberdade”. Dedicou seu corpo a um fazer teatral que anunciava a amplitude de se viver livre – um teatro ritual que extraía o indivíduo dos liames que o ancorava, que chocava e proporcionava um desejo de viver. Parece-me que ele mesmo fugia do juízo como se estivesse atolado em um pântano de piche. Completamente imerso nessa armadilha viscosa, Artaud elaborou um plano de purificação para gerar um novo corpo que não era nem humano nem metafísico, e ainda, refratário e autônomo, um corpo de resistência e intensidades: o corpo sem órgãos.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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