Autor Daniele Avila Small

Por um adágio adiante

1 de maio de 2023 Críticas

A apresentação de Arqueologias do Futuro, a que assistimos na primeira semana do Festival de Curitiba nos últimos dias de março de 2023, é uma das entradas possíveis para um projeto mais amplo, o Museu dos Meninos, “uma obra-museu composta por uma série de ações nos campos do audiovisual, das artes cênicas e visuais, com a premissa de mapear, preservar e criar memórias, como exercício contínuo e coletivo de futuridades impossíveis para o povo preto e favelado”, como consta no espaço online em que esse museu virtual pode ser visitado. Realizado por Mauricio Lima, artista da dança e do teatro do Rio de Janeiro, com direção e dramaturgia sampleada em parceria com Fabiano (Dadado) de Freitas, o projeto se coloca como uma reação aos dados divulgados no Mapa da Violência no Brasil em 2016. Uma reação propositiva, que subverte o imaginário impresso nas imagens de jovens rapazes negros, cujas vidas são o alvo mais comum da truculência policial na cidade. O espetáculo subverte também a expectativa de quem vai ver uma obra que parte – pelo menos parcialmente – da premissa da violência. O que se vê em cena é um derramamento de delicadeza.

Mutuando saberes no percurso da experiência

22 de dezembro de 2022 Estudos

Depois de passar cinco intensos dias em Paraty para vivenciar as atividades da primeira edição do Festival Mutuá entre 21 e 25 de setembro de 2022, me dedico a esta breve reflexão sobre este projeto tão relevante, organizado pelo Polo Sociocultural Sesc Paraty para promover um encontro entre as artes cênicas e os saberes populares. Como diz a Maira Jeannyse, analista de cultura em Artes Cênicas e responsável por esta realização, o Mutuá não é um “evento”. Com isso, ela explica que não se trata de uma produção pontual (que também tem o seu valor), mas de um trabalho continuado. Assim, além de um momento de condensação de encontros e atividades, o Mutuá também pode ser pensado como um desdobramento de algumas atividades que se deram antes e uma aposta para a continuidade delas. Penso também que o Mutuá veio para riscar mais um traçado no chão da cidade que habita, reafirmando, com um novo gesto, o evidente comprometimento das atividades do Polo Sociocultural Sesc Paraty com o território em que está situado, especialmente depois de alguns anos em que tantas atividades precisaram acontecer exclusivamente no modo online. O Mutuá seria, então, uma culminância, uma concentração, uma reunião de forças que condensa, em uma semana, algumas das convivialidades que o Sesc Paraty promove ao longo do ano. O Mutuá surge como desdobramento das atividades mais recentes do APA (Ateliê de Pesquisa do Ator) e do Decanto de Dança.

De uma espectadora à distância

30 de setembro de 2022 Críticas

Discurso de promoción, espetáculo criado em 2017 pelo Grupo Cultural Yuyachkani, companhia de teatro atuante no Peru há mais de 50 anos, tem como ponto de partida a proposta de uma revisão crítica das representações dominantes da história do seu país. Diante das comemorações dos duzentos anos de independência da coroa espanhola, o grupo critica a ausência de representatividade dos grupos sociais que realmente lutaram pela emancipação da região. Para isso, eles tomam como paradigma uma obra do pintor Juan Lepiani, em que se vêm apenas homens, brancos e de classes privilegiadas, tendo o povo, uma massa informe no quadro, como mero pano de fundo desse momento histórico.

Que ele sofre

30 de setembro de 2022 Críticas

Escrever uma crítica de O que o meu corpo nu te conta? evidencia uma condição básica tanto da crítica quanto da recepção teatral de modo geral: não existe “a obra”, existem tantas experiências da mesma obra quanto o número de espectadores que a assistem. Penso ainda que as experiências das obras se modificam na memória e que são formadas tanto pelo que é posto em cena quanto pelo que cada um traz de repertório prévio na ação da recepção. Dito isto, explico a ênfase que essa peça coloca: o espetáculo dispõe de uma série de pequenos relatos para que os espectadores escolham os que querem ver e ouvir. A cada apresentação, é difícil que duas pessoas consigam ver exatamente a mesma combinação de cenas. Assim, para pensar essa peça, o que tenho em mãos é a combinação de cenas que vi.  

O recurso

30 de setembro de 2022 Críticas

Uma pessoa que frequenta teatro regularmente pode pensar que já conhece Hamlet. Uma pessoa que frequenta teatro regularmente há décadas pode dizer que já viu muitos Hamlets. Essa pessoa também pode pensar que tudo já foi dito e elaborado sobre essa peça, inclusive no cinema. É possível pensar que a mais conhecida das obras de Shakespeare é sobre um príncipe melancólico, sobre um reino em que há algo de podre (uma redundância), sobre disputas de poder, sobre amor, traição, engano e ambição. Sobre o fardo de carregar um legado. Sobre não ter certeza de qual é o seu papel no mundo. Sobre estar só e não poder confiar em (quase) ninguém. Sobre tudo isso junto. Mas eu acho mesmo que Hamlet é uma peça sobre o teatro – e não estou sozinha nessa, obviamente.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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