Autor Daniele Avila Small
O teatro e a democracia brasileira | Parte 1
Nos últimos anos vivemos a luta contra a tentativa de apagamento do setor cultural e de sua memória, além da urgência do enfrentamento aos atos antidemocráticos.
Em 2024, o golpe militar completa 60 anos.
Em 2025, serão 40 anos do final da ditadura militar brasileira.
Diante dessas efemérides e com atenção à necessidade das artes cênicas brasileiras se mostrarem presentes e reafirmarem sua importância histórica nos âmbitos cultural, social e político, em especial no período pós-ditadura iniciado em 1985, o Foco in Cena apresenta, em parceria com a Questão de Crítica, o projeto “O teatro e a democracia brasileira”.
O projeto homenageia artistas da cena que ao longo da história vêm lutando pela consolidação da democracia brasileira. Dividido em três etapas interligadas, porém independentes, o projeto contempla:
Parte 1: A realização de uma pesquisa em âmbito nacional, seguida da curadoria de 40 espetáculos teatrais criados e encenados a partir de 1985, data que marca o final do período da ditadura militar. Esses espetáculos serão selecionados tendo por base sua contribuição para os debates em torno da democracia.
Parte 2: Realização de exposição construída a partir das informações e materiais físicos e digitais que dizem respeito aos 40 espetáculos selecionados na primeira etapa.
Parte 3: Confecção de um livro/catálogo editado e diagramado a partir do material coletado, desenvolvido e exposto nas etapas anteriores do projeto.
A Parte 1 foi aprovada e fomentada pelo PROGRAMA FUNARTE RETOMADA 2023 – TEATRO.
Ao final desta etapa, cada um dos 40 trabalhos selecionados terá uma página no Trilhas da Cena, através das quais vamos trazer o máximo de informações possíveis de cada um desses espetáculos, ajudando o portal a seguir em seu objetivo de construir e tornar pública uma importante memória das arte cênicas no Brasil.
Para conhecer a equipe do projeto e acompanhar suas etapas, visite https://trilhasdacena.com.br/iniciativas/o-teatro-e-a-democracia-brasileira/
***
A Questão de Crítica está trocando de pele. Em breve deixaremos de funcionar como uma revista e estamos pensando que novos formatos são possíveis para a continuidade do projeto. Neste momento, estamos nos dedicando à parceria com o Trilhas da Cena na construção e na preservação da memória das artes da cena no Brasil e de um lugar que reúne informação de qualidade sobre o momento presente.
Em breve, retomaremos nossas atividades no nosso canal no YouTube e outros projetos.
Confira os textos mais recentes, que continuaremos publicando ao longo de 2024, na seção de críticas: http://www.questaodecritica.com.br/category/criticas/
Questão de Crítica – revista eletrônica de críticas e estudos teatrais
ISSN 1983-0300
O teatro e a democracia brasileira | Parte 1
Por um adágio adiante
A apresentação de Arqueologias do Futuro, a que assistimos na primeira semana do Festival de Curitiba nos últimos dias de março de 2023, é uma das entradas possíveis para um projeto mais amplo, o Museu dos Meninos, “uma obra-museu composta por uma série de ações nos campos do audiovisual, das artes cênicas e visuais, com a premissa de mapear, preservar e criar memórias, como exercício contínuo e coletivo de futuridades impossíveis para o povo preto e favelado”, como consta no espaço online em que esse museu virtual pode ser visitado. Realizado por Mauricio Lima, artista da dança e do teatro do Rio de Janeiro, com direção e dramaturgia sampleada em parceria com Fabiano (Dadado) de Freitas, o projeto se coloca como uma reação aos dados divulgados no Mapa da Violência no Brasil em 2016. Uma reação propositiva, que subverte o imaginário impresso nas imagens de jovens rapazes negros, cujas vidas são o alvo mais comum da truculência policial na cidade. O espetáculo subverte também a expectativa de quem vai ver uma obra que parte – pelo menos parcialmente – da premissa da violência. O que se vê em cena é um derramamento de delicadeza.
Mutuando saberes no percurso da experiência
Depois de passar cinco intensos dias em Paraty para vivenciar as atividades da primeira edição do Festival Mutuá entre 21 e 25 de setembro de 2022, me dedico a esta breve reflexão sobre este projeto tão relevante, organizado pelo Polo Sociocultural Sesc Paraty para promover um encontro entre as artes cênicas e os saberes populares. Como diz a Maira Jeannyse, analista de cultura em Artes Cênicas e responsável por esta realização, o Mutuá não é um “evento”. Com isso, ela explica que não se trata de uma produção pontual (que também tem o seu valor), mas de um trabalho continuado. Assim, além de um momento de condensação de encontros e atividades, o Mutuá também pode ser pensado como um desdobramento de algumas atividades que se deram antes e uma aposta para a continuidade delas. Penso também que o Mutuá veio para riscar mais um traçado no chão da cidade que habita, reafirmando, com um novo gesto, o evidente comprometimento das atividades do Polo Sociocultural Sesc Paraty com o território em que está situado, especialmente depois de alguns anos em que tantas atividades precisaram acontecer exclusivamente no modo online. O Mutuá seria, então, uma culminância, uma concentração, uma reunião de forças que condensa, em uma semana, algumas das convivialidades que o Sesc Paraty promove ao longo do ano. O Mutuá surge como desdobramento das atividades mais recentes do APA (Ateliê de Pesquisa do Ator) e do Decanto de Dança.
De uma espectadora à distância
Discurso de promoción, espetáculo criado em 2017 pelo Grupo Cultural Yuyachkani, companhia de teatro atuante no Peru há mais de 50 anos, tem como ponto de partida a proposta de uma revisão crítica das representações dominantes da história do seu país. Diante das comemorações dos duzentos anos de independência da coroa espanhola, o grupo critica a ausência de representatividade dos grupos sociais que realmente lutaram pela emancipação da região. Para isso, eles tomam como paradigma uma obra do pintor Juan Lepiani, em que se vêm apenas homens, brancos e de classes privilegiadas, tendo o povo, uma massa informe no quadro, como mero pano de fundo desse momento histórico.
Que ele sofre
Escrever uma crítica de O que o meu corpo nu te conta? evidencia uma condição básica tanto da crítica quanto da recepção teatral de modo geral: não existe “a obra”, existem tantas experiências da mesma obra quanto o número de espectadores que a assistem. Penso ainda que as experiências das obras se modificam na memória e que são formadas tanto pelo que é posto em cena quanto pelo que cada um traz de repertório prévio na ação da recepção. Dito isto, explico a ênfase que essa peça coloca: o espetáculo dispõe de uma série de pequenos relatos para que os espectadores escolham os que querem ver e ouvir. A cada apresentação, é difícil que duas pessoas consigam ver exatamente a mesma combinação de cenas. Assim, para pensar essa peça, o que tenho em mãos é a combinação de cenas que vi.