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A busca do presente
(O texto a seguir contém spoilers!)

Rio de Janeiro, 05 de agosto de 2018
Querida Daní, não sei se te contei, mas enquanto eu caminhava de mãos dadas com o Bê (meu filho Bernardo, de 11 anos) ali pela calçada da Domingos Ferreira, depois que vimos o teu Há mais futuro que passado na sala Multiuso do SESC Copacabana, ele me disse: “Pai, fiquei triste de a Ana não existir.” Na hora, fiquei desconcertado, e ao mesmo tempo louco para encontrar uma resposta que fizesse sentido para ele.
Ao redor da sala de estar

A peça As horas entre nós, que esteve em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, provocou minha percepção principalmente pelo cenário, de concepção de Joelson Gusson. Junto com Diego de Angeli, a dramaturgia assinada também por Gusson parece se calcar na estrutura espacial proposta pelo cenário, a partir do qual extrairei algumas possíveis leituras desse trabalho, que buscou ser ele mesmo uma releitura de Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, com ecos inevitáveis do livro e filme As horas, de Michael Cunningham e Stephen Daldry, respectivamente.
Entre nós

As horas entre nós, atualmente em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, é um exemplo interessante da recriação de uma obra literária, que faz uma transposição de ideias e acontecimentos para um contexto diferente do qual se partiu. O termo “adaptação” não me parece exato para definir o trabalho, pois convida a uma comparação infrutífera com um determinado “original”. Existe, de fato, um ponto de partida: Mrs Dalloway, de Virginia Woolf. Mas não parece haver, na montagem, um compromisso de prestação de contas com o romance, e sim uma dinâmica de afastamento e aproximação, de afinidade à distância com a obra, trabalhada com delicadeza na dramaturgia de Diego de Angeli e de Joelson Gusson, que também assina a direção, a adaptação e a concepção, esta junto com Cristina Flores. É possível perceber um excesso de créditos em torno da autoria: concepção, adaptação, dramaturgia, além da observação na capa do programa que diz “livremente inspirado em Mrs Dalloway, de Virginia Woolf”. O título da peça também faz referência ao livro de Michael Cunningham e ao filme de Stephen Daldry, As horas. Essa condição espalhada da autoria pode ser interessante.
Intraduzível

O diretor Felipe Vidal, que já havia montado a peça Tentativas contra a vida dela, de Martin Crimp, continua sua relação com o autor inglês montando Duplo Crimp. Este é um projeto composto de duas peças, O campo e A cidade, ambas traduzidas por Daniele Avila Small, e que estiveram em cartaz no Teatro Gláucio Gill de 13 de janeiro a 13 de fevereiro.
É inevitável estabelecer, primeiramente, a ordem destas em relação a Tentativas. Sendo um marco na carreira e no estilo de Crimp, Tentativas fundamentou elementos dramatúrgicos que podem ser vistos em iminência na peça O campo e já bem explorados em A cidade. Vamos nos ater especialmente na construção das identidades de seus personagens e das questões postas aos atores para interpretá-los.
Pulsões de morte transbordam na Guanabara

A presença do mar, que se impõe como personagem em Senhora dos Afogados, norteou a diretora Ana Kfouri na escolha do espaço para encenar sua versão da peça de Nelson Rodrigues: o restaurante Albamar, de frente para a Baía de Guanabara. A diretora afasta o espaço de sua utilidade cotidiana. O Albamar não é evocado como restaurante. Seu amplo salão é aproveitado para reconstituir a casa da família Drummond.
Ana Kfouri caminha em sentido contrário ao da abordagem de um grupo como o Teatro da Vertigem, conduzido por Antonio Araujo, que dialoga em níveis variados com a literalidade dos espaços não-convencionais escolhidos para apresentar seus espetáculos. A carga inerente a cada um dos espaços – a igreja em O paraíso perdido, o hospital em O livro de Jó e o presídio em Apocalipse 1,11, montagens que formam a Trilogia Bíblica – torna-se texto (enquanto portador de significado), elemento determinante à apreciação da plateia, assim como o Rio Tietê (ou a Baía de Guanabara, na temporada carioca) de BR 3, encenação em que o Vertigem abordava o espaço não-convencional mais como metáfora (das mazelas brasileiras) do que pela via do literal. Uma perspectiva também diferente dessa nova leitura de Senhora dos Afogados, que não interage com a utilização cotidiana do espaço, restringindo a esfera literal às cenas ambientadas no cais, particularmente a das prostitutas, que encerra o espetáculo.