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Liberdade pela metade

19 de janeiro de 2018 Críticas
Foto: Ricardo Brajterman.
Foto: Ricardo Brajterman.

A ideia de entrar no teatro para ver uma releitura de Shakespeare, ainda mais com este belo título, O animal que ronda, me deixa sempre numa expectativa prazerosa. Não só porque as releituras dos clássicos são mais raras do que eu gostaria na cena teatral carioca, mas sobretudo porque, ao ver uma nova interpretação de uma obra canônica, duas vertentes muitas vezes antitéticas do meu trabalho, a de crítico teatral e a de professor de filosofia, encontram uma síntese que faz com que eu me sinta menos partido. Afinal, como professor universitário, eu sou fundamentalmente um leitor de releituras de obras clássicas. Nesse sentido, independentemente da minha vontade consciente, me sentei na arquibancada do Espaço Municipal Sergio Porto com duas perguntas (ou exigências) na cabeça.

Ao redor da sala de estar

21 de julho de 2013 Críticas
Foto: Paula Kossatz.

A peça As horas entre nós, que esteve em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, provocou minha percepção principalmente pelo cenário, de concepção de Joelson Gusson. Junto com Diego de Angeli, a dramaturgia assinada também por Gusson parece se calcar na estrutura espacial proposta pelo cenário, a partir do qual extrairei algumas possíveis leituras desse trabalho, que buscou ser ele mesmo uma releitura de Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, com ecos inevitáveis do livro e filme As horas, de Michael Cunningham e Stephen Daldry, respectivamente.

Entre nós

8 de julho de 2013 Críticas
Foto: Paula Kossatz.

As horas entre nós, atualmente em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, é um exemplo interessante da recriação de uma obra literária, que faz uma transposição de ideias e acontecimentos para um contexto diferente do qual se partiu. O termo “adaptação” não me parece exato para definir o trabalho, pois convida a uma comparação infrutífera com um determinado “original”. Existe, de fato, um ponto de partida: Mrs Dalloway, de Virginia Woolf. Mas não parece haver, na montagem, um compromisso de prestação de contas com o romance, e sim uma dinâmica de afastamento e aproximação, de afinidade à distância com a obra, trabalhada com delicadeza na dramaturgia de Diego de Angeli e de Joelson Gusson, que também assina a direção, a adaptação e a concepção, esta junto com Cristina Flores. É possível perceber um excesso de créditos em torno da autoria: concepção, adaptação, dramaturgia, além da observação na capa do programa que diz “livremente inspirado em Mrs Dalloway, de Virginia Woolf”. O título da peça também faz referência ao livro de Michael Cunningham e ao filme de Stephen Daldry, As horas. Essa condição espalhada da autoria pode ser interessante.

A morte que ninguém pode ver

23 de junho de 2012 Críticas
Foto: Paula Kossatz.

O grupo Dragão Voador Teatro Contemporâneo se apresentou com o repertório denominado Trilogia da Matéria, até o início de junho, no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto. As três peças – Manifesto Ciborgue (2009), Paisagem Nua (2011) e Amérika! (2012) – tratam de vícios específicos da sociedade contemporânea: o vício ciborgue, sobre o desejo e viabilidade de transformar o corpo com o uso de próteses; o vício da espetacularização midiática da morte, e a consequente banalização da mesma; e, o vício do consumo, iniciado pela sociedade americana. O que une as dramaturgias é um pensamento voltado para ideia de deterioração, sobre aquilo que, nos atos sociais, contribui para a transfiguração do corpo (a prótese, a morte) e a descaracterização do humano (o consumo). A Trilogia inverte o valor das novidades do nosso tempo, o que para a maioria das pessoas pode ser visto como um comportamento favorável, para este conjunto de artistas, trata-se de um anúncio de falência – da “Matéria” em decomposição.

Posse e destruição

17 de maio de 2012 Críticas
Foto: Paula Kossatz.

Como extrair dos clichês, imagens que digam do mundo em que vivemos? Essa é uma provocação de Amérika! que, dita de outro modo, propõe ao espectador a renúncia aos modos habituais de se relacionar com os elementos da cultura justamente por meio da incidência sobre o lugar-comum, sobre um saber que não nos pertence, já que perpassa gerações. Para dar a ver algo tão formador de nossas personalidades, como é o consumo, uma das possibilidades é jogar. O termo jogar aqui também tem a feição do brincar infantil. Esse brincar na criança é acompanhado pela imitação e pela inabalável crença no brinquedo. Quando a criança brinca transforma a função e a imagem das coisas num relance. Uma poética que se vale de algo em semelhança com o brincar pode oferecer um distanciamento que estimula a visão de uma duplicidade própria das coisas, uma espécie de dança entre o material original e o objeto elaborado. No caso de Amérika!, o trânsito de personagens e situações-clichês aponta para a crítica na medida em que não existe a crença absoluta nas tipificações – os atores brincam de brincar.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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