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Entre nós
As horas entre nós, atualmente em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, é um exemplo interessante da recriação de uma obra literária, que faz uma transposição de ideias e acontecimentos para um contexto diferente do qual se partiu. O termo “adaptação” não me parece exato para definir o trabalho, pois convida a uma comparação infrutífera com um determinado “original”. Existe, de fato, um ponto de partida: Mrs Dalloway, de Virginia Woolf. Mas não parece haver, na montagem, um compromisso de prestação de contas com o romance, e sim uma dinâmica de afastamento e aproximação, de afinidade à distância com a obra, trabalhada com delicadeza na dramaturgia de Diego de Angeli e de Joelson Gusson, que também assina a direção, a adaptação e a concepção, esta junto com Cristina Flores. É possível perceber um excesso de créditos em torno da autoria: concepção, adaptação, dramaturgia, além da observação na capa do programa que diz “livremente inspirado em Mrs Dalloway, de Virginia Woolf”. O título da peça também faz referência ao livro de Michael Cunningham e ao filme de Stephen Daldry, As horas. Essa condição espalhada da autoria pode ser interessante.
A presentificação do passado
Miguel Falabella olha com esperança para as personagens de A Partilha, irmãs que se reencontram no velório da mãe e promovem um acerto de contas doce-amargo ao longo do processo de divisão dos bens familiares. Maria Lúcia, Regina e Laura se esforçaram para reescrever suas histórias, mesmo que através de relacionamentos nem sempre norteados pelo amor. Se não acertaram, contabilizam, pelo menos, o esforço da mudança. Selma, apesar de ter se acomodado num casamento burocrático, começa a ensaiar uma transição.
A tragédia do olhar
Através de um personagem como o atormentado Alan Strung, o dramaturgo Peter Shaffer destaca, em Equus, a dificuldade de ser ou se sentir visto. Vítima de uma educação repressora, Alan, jovem de 20 anos, tem fascínio e horror pelos olhos dos cavalos porque se reconhece neles. É o que argumenta no instante em que o psiquiatra Martin Dysart pergunta sobre o motivo que o levou a cometer a atrocidade de cegar seis animais com um estilete de metal. Depois de iniciar tratamento com o Dysart, Alan passa a entregar fitas com os seus “depoimentos” devido, provavelmente, ao caráter de desvendamento íntimo que o vínculo entre médico e paciente adquire. O impacto desse contato também reverbera em Dysart, que, mergulhado num casamento burocrático, revela incômodo crescente com a intensidade da vibração de Alan.