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Pulsões de morte transbordam na Guanabara
A presença do mar, que se impõe como personagem em Senhora dos Afogados, norteou a diretora Ana Kfouri na escolha do espaço para encenar sua versão da peça de Nelson Rodrigues: o restaurante Albamar, de frente para a Baía de Guanabara. A diretora afasta o espaço de sua utilidade cotidiana. O Albamar não é evocado como restaurante. Seu amplo salão é aproveitado para reconstituir a casa da família Drummond.
Ana Kfouri caminha em sentido contrário ao da abordagem de um grupo como o Teatro da Vertigem, conduzido por Antonio Araujo, que dialoga em níveis variados com a literalidade dos espaços não-convencionais escolhidos para apresentar seus espetáculos. A carga inerente a cada um dos espaços – a igreja em O paraíso perdido, o hospital em O livro de Jó e o presídio em Apocalipse 1,11, montagens que formam a Trilogia Bíblica – torna-se texto (enquanto portador de significado), elemento determinante à apreciação da plateia, assim como o Rio Tietê (ou a Baía de Guanabara, na temporada carioca) de BR 3, encenação em que o Vertigem abordava o espaço não-convencional mais como metáfora (das mazelas brasileiras) do que pela via do literal. Uma perspectiva também diferente dessa nova leitura de Senhora dos Afogados, que não interage com a utilização cotidiana do espaço, restringindo a esfera literal às cenas ambientadas no cais, particularmente a das prostitutas, que encerra o espetáculo.