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Crítica agora
Boa noite a todo mundo que está aqui conosco presente[1], agradeço enormemente pelo convite. Agradeço ao carinho e às trocas que tivemos neste processo, com Jhoao Junnior, Renata Meiga, Dadado e Ronaldo. Foi muito importante pra mim conhecer e encontrar vocês neste percurso, a partir dos materiais e a partir dessas fricções que a gente está vivendo neste tempo histórico e também pelos nossos percursos.
Então, eu gostaria de comentar com vocês algumas coisas que a gente falou no processo e que penso que nesta mediação será importante destacar a pluralidade das vozes entre as equipes que produziram as cenas inéditas e o público presente. Eu vou fazer uma audiodescrição rápida pois talvez tenha alguém que não esteja me vendo. Eu sou uma mulher trans branca, tô com o cabelo castanho liso com mais volume do lado esquerdo, com um colar no pescoço. Atrás de mim, uma estante com livros, em biblioteca e do meu lado direito uma janela com vidros. Bom, estou também muito feliz de dialogar deste lugar, com as questões que foram trazidas por meio destas cenas. Que são provocativas e que eu provoquei. E que me provocam de volta e aqui eu tenho algumas questões que eu vou compartilhar com vocês no sentido de provocar novamente esse debate, essa relação, a mediação desta noite.
Ancestralidade positiva – um resgate das existências que escapam
O Futuro não é depois: uma performance palestrativa sobre Cazuza e Herbert Daniel é um trabalho criado para o projeto “Cena agora – Arte e ciência: corpos reagentes, existências em crise”, do Itaú Cultural, que em sua segunda edição quis pensar as relações possíveis entre arte e ciência a partir de inúmeros e plurais pontos de partida. O trabalho em questão é um dos vários desdobramentos poéticos do projeto “Como eliminar monstros: discursos artísticos em torno do HIV/AIDS”, criado por mim em parceria com o diretor carioca Fabiano de Freitas, o Dadado, para pensar as relações entre arte e HIV e como ela, em suas inúmeras tentativas de se debruçar sobre o tema ao longo dos 40 anos da epidemia, muitas vezes também produziu discursos que ajudaram a perpetuar os estigmas sociais produzidos no bojo da epidemia discursiva do HIV.
O projeto estreia, coincidentemente, também em um evento do Itaú Cultural, a Mostra Todos os Gêneros, na sua edição de 2019, portanto um ano antes da pandemia do coronavírus. Em 2020, adaptado para versão on line, o projeto ganhou várias edições e se mostrou bastante pertinente para pensar uma epidemia (a da COVID-19) à luz de outra (a da AIDS) e as semelhanças e dessemelhanças impressionantes em torno de um modus operandis social que ocorre diante de atravessamentos como estes.
Devaneio metateatral sobre a cultura das aparências
Em 1943, quando o diretor polonês Ziembinski estreou sua versão para a peça Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, quem estava na plateia talvez não pudesse suspeitar que, naquela noite, o teatro brasileiro inaugurava historicamente sua fase moderna. No entanto, era inegável o estranhamento gerado pela opção rodrigueana de concentrar toda a ação cênica na cabeça da protagonista Alaíde. Após ter sido atropelada e chegar à sala de cirurgia entre a vida e a morte, a personagem se tornou marco de nossa dramaturgia ao oscilar entre os planos da memória, da realidade e da alucinação.
É também a estranheza fragmentária e lacunar gerada pela sobreposição de planos um dos pontos de contato mais fortes entre Vestido de noiva e o novo espetáculo do Grupo XIX de Teatro, Nada aconteceu, tudo acontece, tudo está acontecendo, livremente inspirado na obra clássica de Nelson e com dramaturgia criada pelo grupo em parceria com Alexandre Dal Farra. A direção é de Luiz Fernando Marques e Janaina Leite.
Materialidade artesanal
Há poucas semanas, escrevi sobre a peça Mi vida después, da encenadora argentina Lola Arias, que me fez pensar o quanto é raro ver (no Rio de Janeiro pelo menos, onde vivo e trabalho) trabalhos de artes cênicas que façam referência à História – no caso me referia especificamente a um momento problemático da nossa História, a ditadura. Com isso, não estou defendendo que se deve fazer teatro para falar da História, faço apenas uma especulação. No Rio, fica a impressão de que isso acontece mais nos musicais que muitas vezes contam a história de determinado músico ou de determinado período da música. Mas o formato congelado dos musicais cariocas (é claro que existem exceções) revestem os temas históricos de um glamour tão artificial, que mal se pode reconhecer ali uma história vivida por seres humanos – o que fica visível nos figurinos com jeito de recém-saídos da costureira, na iluminação de efeitos fáceis e nos cenários grandiosos, porém literais e sem potencial de produção de sentidos. A História que se conta é quase sempre de um momento áureo, por assim dizer, ou a biografia romantizada de alguém conhecido. É raro ver alguém tocar nas feridas da História por aqui. Cariocas não gostam de dias nublados.
Autoral e polifônico
Por acasião da temporada do espetáculo Marcha para Zenturo, criado pelo Grupo XIX de Teatro e pelo Espanca!, Felipe Vidal conversa com os integrantes de ambos os grupos. A conversa foi realizada em setembro de 2010 no Espaço SESC. Participaram da conversa: Luiz Fernando Marques, Janaina Leite, Juliana Sanches, Ronaldo Serruya e Paulo Celestino (do Grupo XIX); e Marcelo Castro, Gustavo Bones e Grace Passô (do Espanca!).
Felipe Vidal – Acho que a gente pode começar falando de uma coisa mais objetiva sobre os grupos para depois entrar na história do espetáculo. Queria saber como é a sobrevivência dos grupos, como se dá o dia a dia, como acontece isso para vocês – individualmente e coletivamente?
Janaina Leite – No Grupo XIX a gente tem um contexto bastante específico que é o movimento teatral em São Paulo, que nos anos 90 abriu uma porta enorme de possibilidades pro teatro de grupo. Ainda com todas as restrições, dentro do cenário do país, acho que São Paulo tem uma realidade pra realização do teatro de grupo que é bastante singular. São 10 anos de trajetória e a gente se cola totalmente às conquistas do movimento em São Paulo. Tem a ver com a Lei de Fomento, com todos os editais que vieram depois; com a Lei de Fomento, sobretudo, que foi o que estruturou o grupo. Estruturou, criou um espaço, a gente se entendeu como grupo a partir da Lei de Fomento. O que significa esse entendimento sobre o que é ser grupo, o que é fazer um trabalho continuado, o que é ter uma pesquisa. Então, a gente hoje em dia tem essa força muito grande que é estar ligado a um espaço – o que potencializa muito nossas atividades não só internas, como possibilidade de interação, de receber outros grupos e atividades no espaço – e essa manutenção que vai se dando por esses editais públicos.