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A loucura como projeto em Hysteria

2 de abril de 2020 Críticas

Quase 20 anos depois da sua estreia, Hysteria, do Grupo XIX de Teatro, de São Paulo, se apresentou pela primeira vez em São José dos Campos no último dia do 34º Festivale, em setembro de 2019. O espetáculo foi realizado em um galpão abandonado nas imediações da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, cuja arquitetura serviu como o próprio cenário da peça.

Cinco mulheres estão na Sala de Asseios de um hospício feminino do século XIX – uma espécie de cárcere. Quatro delas estão internadas e sob os “cuidados” da quinta personagem, uma enfermeira com ares de governanta que recebe o público feminino com certa agressividade. As narrativas que cada personagem traz foram inspiradas em registros históricos pesquisados pelo grupo. Suas falas trazem citações de documentos e de obras literárias, mas a dramaturgia também conta com a interação com as espectadoras no momento presente.

Reveja-se no rosto do outro

25 de abril de 2016 Críticas

Vol. IX, nº 67 abril de 2016 :: Baixar edição completa em PDF 

Resumo: O espectáculo resulta do embate entre o original de Pasolini e a realidade do grupo XIX e da Vila Maria Zélia. A cena é uma arena invertida, com o público no centro, em bancos rotativos, e os atores em todas as entradas e saídas. O rosto que fica sem vida e o acto de observar a morte são figuras recorrentes, fazendo do espectáculo um estudo sobre o olhar. A impossibilidade e a necessidade de representar a violência é uma das contradições expostas, que revela o papel dos espectadores no processo.

Palavras-chave: ponto-de-vista, figura, justiça poética

Resumo: The show comes from the clash between Pasolini’s original work and group XIX and Vila Maria Zélia reality. The scene is an inverted arena, with the audience in the center, on rotative benches, and the actors in all the entrances and exits. The lifeless face and the act of watching death are recurrent figuras, making the show a study on watching. The impossibility and the necessity of representing violence is one of the contradictions exposed in the show, which reveals the spectators role in the process.

Keywords: point-of-view, figura, poetic justice

 

É-me difícil comparar este Teorema 21, do grupo XIX, com o Teorema de Pasolini a partir do qual se formou — nem me interessa por aí além avaliar a fidelidade deste trabalho ao original. Não se trata de uma cópia, nem de uma interpretação, nem de uma versão, mas de um trabalho novo, diferente, que se apresenta como distinto do outro. Aliás, a relação ambivalente da peça do XIX com esse ponto de partida do qual se pretende distanciar o mais possível, mantendo ainda assim uma relação de parecença, está posta logo no início do espectáculo, num prólogo onde se apresenta um excerto do filme de Pasolini, ao qual se sobrepõe uma voz off que vai colando, a essas imagens projetadas, o entorno da sede do grupo, na Vila Maria Zélia, ou pelo menos um entorno similar, imaginário, e o que estiver acontecendo àquela hora, naquele lugar. Esse discurso de abertura inclui a possibilidade de atualização da fala:

Devaneio metateatral sobre a cultura das aparências

23 de maio de 2013 Críticas
Foto: Divulgação.

Em 1943, quando o diretor polonês Ziembinski estreou sua versão para a peça Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, quem estava na plateia talvez não pudesse suspeitar que, naquela noite, o teatro brasileiro inaugurava historicamente sua fase moderna. No entanto, era inegável o estranhamento gerado pela opção rodrigueana de concentrar toda a ação cênica na cabeça da protagonista Alaíde. Após ter sido atropelada e chegar à sala de cirurgia entre a vida e a morte, a personagem se tornou marco de nossa dramaturgia ao oscilar entre os planos da memória, da realidade e da alucinação.

É também a estranheza fragmentária e lacunar gerada pela sobreposição de planos um dos pontos de contato mais fortes entre Vestido de noiva e o novo espetáculo do Grupo XIX de Teatro, Nada aconteceu, tudo acontece, tudo está acontecendo, livremente inspirado na obra clássica de Nelson e com dramaturgia criada pelo grupo em parceria com Alexandre Dal Farra. A direção é de Luiz Fernando Marques e Janaina Leite.

Materialidade artesanal

3 de novembro de 2010 Críticas
Hygiene em Belo Horizonte. Atores: Tatiana Caltabiano e Ronaldo Serruya. Foto: Felipe Vidal.

Há poucas semanas, escrevi sobre a peça Mi vida después, da encenadora argentina Lola Arias, que me fez pensar o quanto é raro ver (no Rio de Janeiro pelo menos, onde vivo e trabalho) trabalhos de artes cênicas que façam referência à História – no caso me referia especificamente a um momento problemático da nossa História, a ditadura. Com isso, não estou defendendo que se deve fazer teatro para falar da História, faço apenas uma especulação. No Rio, fica a impressão de que isso acontece mais nos musicais que muitas vezes contam a história de determinado músico ou de determinado período da música. Mas o formato congelado dos musicais cariocas (é claro que existem exceções) revestem os temas históricos de um glamour tão artificial, que mal se pode reconhecer ali uma história vivida por seres humanos – o que fica visível nos figurinos com jeito de recém-saídos da costureira, na iluminação de efeitos fáceis e nos cenários grandiosos, porém literais e sem potencial de produção de sentidos. A História que se conta é quase sempre de um momento áureo, por assim dizer, ou a biografia romantizada de alguém conhecido. É raro ver alguém tocar nas feridas da História por aqui. Cariocas não gostam de dias nublados.

Qual o tempo de vida de um espetáculo?

10 de julho de 2009 Críticas
Foto: divulgação.

Hysteria, que contribuiu na consolidação do nome do grupo XIX de teatro, é uma peça dos anos 2000 que vem sendo objeto de apreciação crítica e despertado a curiosidade do meio teatral. Tanto é assim que foram as pessoas do meio teatral que compuseram boa parte da plateia que lotou as dependências de uma sala no Liceu de Artes e Ofícios, em Recife, em apresentação do Festival Palco Giratório.

Luiz Fernando Marques sabe o que significa a noção de “lugar” nos dias de hoje. Este signo, que vem sendo debatido com freqüência na arte, sobretudo na arte urbana, com suas intervenções e ressignificações. Quando a direção opta por separar homens e mulheres,  o lance de dados não é feito de modo gratuito e meramente estilístico. A divisão por gênero, feita pelo diretor Luis Fernando Marques, estabelece o lugar de onde se quer partir e de onde se quer falar: da condição da mulher.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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