Estudos

Entre a naturalização necessária e a desnaturalização histórica

27 de dezembro de 2013 Estudos

Proponho, neste texto, uma reflexão sobre o lugar da crítica interna em companhias teatrais – lugar este que vem sendo nomeado, contemporaneamente, como dramaturgista. Tendo em vista a minha experiência na companhia Studio Stanislavski – companhia que participa da vida teatral carioca há mais de 20 anos sob a direção de Celina Sodré – e o meu interesse cada vez maior por textos, questões, autores e obras provenientes de uma sociologia da cultura (ou de uma história cultural), sugiro um debate que parta de algumas referências e modelos teóricos e proponha conjuntos de questões que podem ser pertinentes para este trabalho de crítica interna.

Inicio a reflexão com a referência que mais irá marcar este texto: Pierre Bourdieu, especialmente a partir de sua obra As regras da arte. Na última parte do livro, Bourdieu apresenta alguns mecanismos de análise muito usuais na área dos estudos sobre arte e cultura que, segundo ele, precisariam ser combatidos. Uma primeira, oriunda de uma tradição hegeliana, buscaria entender a produção das obras culturais a partir de grandes identidades sociais. A identidade (ou, para usarmos um termo caro à tradição intelectual alemã oitocentista, a “ideia”) produzida por diferentes povos seria a chave de explicação e interpretação de suas obras culturais e artísticas.

Cinema e crítica

27 de dezembro de 2013 Estudos

Como pensar a crítica cinematográfica hoje, em meio a uma redução crescente de jornais e revistas especializadas da mídia impressa e a uma proliferação digital sem precedentes de sites, blogs, revistas e grupos especializados em cinema e audiovisual nas redes sociais? É possível um pensamento crítico sobre obras contemporâneas que tenha alguma possibilidade de ser notado e influir em um público cada vez mais disperso? Vivemos um “individualismo popular de massa” constituído por uma multidão de seres solitários diante de seus monitores. Como pensar o cinema em meio a essa “cultura das telas”(1) e não mais uma cultura da imagem?

Quero aqui fazer algumas observações a respeito do estado da crítica de cinema em um momento em que essa arte industrial perdeu definitivamente o lugar privilegiado que possuía entre as narrativas audiovisuais, disputando espaço com programas variados da televisão aberta e de canais a cabo, assim como com todas as opções de entretenimento que a internet oferece – sem falar na concorrência do cinema projetado em salas com os filmes baixados na internet, que não passam por critérios críticos que ainda podem marcar, residualmente, a fruição de um filme em uma sala de cinema.

A crítica como atitude

27 de dezembro de 2013 Estudos

O que é a crítica?

Para arriscar alguma resposta, penso em Foucault, e em como se aproximou do termo, na conferência que ofereceu à Sociedade francesa de filosofia, em 27 de maio de 1978, intitulada O que á a crítica? (Crítica e Aufklärung [Cítica e reconhecimento]). Ao observar o que chama de “atividades polêmico-profissionais que trazem esse nome de crítica”, percebe que nessas atividades “uma certa maneira de pensar, de dizer, de agir[…] uma certa relação com o que existe, com o que se sabe, com o que se faz, uma relação com a sociedade, com a cultura, uma relação com os outros também, e que se poderia chamar, digamos, de atitude crítica” (Foucault, 1990: p.2). Portanto, pelo que observa o filósofo, antes de se formular como discurso, a crítica caracteriza uma atitude. Uma atitude cuja natureza se delineia e cuja função, como ele diz na mesma página, se configura “em relação a outra coisa que não ela mesma”.

A primeira noção sobre a natureza relacional da crítica, consequente à lógica que Foucault estabelece, remete à ideia de discurso intermediário, de instrumento. A crítica é instrumento, “meio para um devir” (Foucault: p.2). Sob esse aspecto, a crítica, ou melhor, o discurso pelo qual se manifesta, constitui-se em discurso a serviço de, discurso à disposição de, e que estabelece, com os campos de conhecimento ou de produção em que se insere, e a que refere, uma relação de pertencimento. Para esse campo eleito, estabelece princípios, critérios e códigos específicos, conforme os modos de pertencimento que queira estabelecer.

Crítica e historiografia

27 de dezembro de 2013 Estudos

Os críticos atuam sempre como verdadeiros scholars do teatro, e não apenas como jornalistas encarregados de uma seção de arte. E, em ambos os casos, a crítica supera o âmbito específico do teatro para tornar-se crítica das instituições sociais e das correntes estético-filosóficas, além de tribuna e arma em defesa de ideais progressistas. (Antonio Mercado).

O professor Antonio Mercado ao analisar os modelos discursivos das críticas de Bernard Shaw e Alberto D’Aversa afirmou que, ao defenderem projetos artísticos específicos, os críticos agem de acordo com sua filiação ideológica, filosófica e estética. Sendo muito improvável que o crítico consiga se descolar do processo histórico ao qual está inserido e buscar uma neutralidade, uma isenção absoluta, no seu texto. “Podemos constatar que os maiores críticos são sempre os mais parciais, isto é, os que têm algo para dizer, opiniões para sustentar, ideias para defender. O resto é crônica.” (MERCADO, 1995, 43). Assim apresentava uma importante distinção entre a crítica e a crônica teatral, ou seja, o que caracterizaria a crítica seria, sobretudo, a defesa de uma forma de olhar para o teatro, de um projeto artístico que agregasse artistas, empresários e críticos.

A dobra e a separação

27 de dezembro de 2013 Estudos
Farnese de Saudade. Foto: Rodrigo Castro.

Para Dinah Cesare e Manoel Friques (1)

No ano de 2012, estiveram em cartaz na cidade do Rio de Janeiro dois espetáculos teatrais que produziram uma reflexão a partir de experiências de artistas visuais expoentes da arte moderna e contemporânea brasileira: Cara de Cavalo e Farnese de Saudade. A primeira obra cujo texto foi escrito por Pedro Kosovski com direção de Marco André Nunes, deteve-se na obra de Hélio Oiticica, principalmente, no debate acerca arte-violência, criado pelo artista carioca a partir da figura marginal de Manoel Moreira, bandido cuja alcunha tornou-se título da peça. Já o segundo espetáculo se construiu por dramaturgia colaborativa e direção de Celina Sodré, propondo revisitar poeticamente a biografia do artista mineiro Farnese de Andrade, sem se formatar ao discurso biográfico.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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