Tag: Pedro Kosovski
Dobradinha
Ricardo Kosovski entra em cena vestido num paletó largo demais. E descalço. Depois de algum tempo em silêncio, com seu corpo tomado por pequenos movimentos físicos que remetem a certos espasmos involuntários do corpo, provavelmente causados por um grande desconforto, começa a falar:
“Puxo um fio. E depois outro. E mais outro. Desenrolo e chego no ponto onde quase acaba. É o que parece: vai acabar. – A – CA – BA . Você não pode falar. Os fios estão vivos e embolados dentro da sua barriga. Quanto mais eu puxo, sinto que também são meus. Estão embolados na minha barriga também. Eu sei que dói. Está doendo em você também? Você não responde. Você não consegue falar. Quem acredita nisso que estou falando chama esses fios de história. Mas agora esses fios são as suas tripas. E as minhas também. Eu estou falando de tripas. Tripas de todos aqueles que chegaram até essa fronteira, onde tudo acaba. Eu posso falar por você. É o que faço agora.”
Overdrive
Vol. VIII, nº 65, agosto de 2015
Resumo: A crítica de Caranguejo Overdrive, d’Aquela Cia., com direção de Marco André Nunes e dramaturgia de Pedro Kosovski, reflete sobre conceitos de conflito e sua representação na forma da cena, e aproxima a estética do corpo sem órgãos artaudiano da interpretação dos atores.
Palavras-chave: conflito, forma, estranhamento, teatro político, corpo sem órgãos, Manguebeat
Abstract: This review of Caranguejo Overdrive, a play by Aquela Cia., directed by Marco André Nunes and written by Pedro Kosovski, reflects on different concepts of conflict and its representation on stage. It also approaches the artaudian aesthetic theory of the body without organs concerning the actors work.
Keywords: conflict, form, strangeness, political theater, corpo sem órgãos, Manguebeat
Beat
Na segunda vez que fui assistir ao espetáculo, conversei com o diretor Marco André Nunes por algum tempo do lado de fora do Sesc Copacabana. Uma memória de infância me levou a perguntar sobre os caranguejos que fazem parte da cena; sobre como eles são mantidos e de onde vêm. Marco André disse que detém autorização legal para usar os animais e que todos são recolhidos de um restaurante, antes de virarem comida (ciclos). Porém, durante o processo, a equipe teve que aprender a cuidar dos caranguejos, e nesse decorrer alguns animais morreram. As suposições levaram a mudar os animais de espaço e alimentação, e, embora caranguejos não possam comer alface (“alface nunca!”) e o trato com os mesmos tenha se tornado mais delicado e habilidoso, ainda assim, as mortes não eram evitadas. Acontece que a equipe usava apenas um caranguejo de cada vez, e segundo pesquisa dos atores, caranguejos não podem ficar sozinhos. A solidão torna o caranguejo letárgico e inativo, paralisando-o e o levando à morte. Caranguejos precisam de outros caranguejos. Para brigarem. Para que se mexam. A vida do caranguejo depende da existência da ameaça, do conflito. Do outro.
Laio e Crísipo: a Pop e o esquecimento
Vol. VIII, nº 65, agosto de 2015
Resumo: A crítica reflete acerca de uma pesquisa anterior da Aquela Companhia sobre a Pop-art no espetáculo Edypop, ligando-a ao exercício de montagem de uma obra que tematiza o esquecimento de um mito antigo acerca do relacionamento amoroso entre Laio e Crísipo. Além disso, discutem-se os entrecruzamentos com o aspecto crítico do pastiche utilizado pela obra.
Palavras-chave: pop, esquecimento, pastiche, paixão
Abstract: The paper reflects on the Aquela Companhia’s previous research on Pop Art in the play Edypop, linking it to the exercise of a work about the oblivion of an old myth that tells the story of the relationship between Laius and Chrysippus. In addition, we discuss the intersections caused by critical aspects concerning the usage of pastiche in the play.
Keywords: pop, oblivion, pastiche, passion
O espetáculo Laio e Crísipo, escrito por Pedro Kosovski e dirigido por Marco André Nunes, surgiu como um prolongamento criativo de questões já presentes no processo de pesquisa de Edypop. É sabido que, em Édipo Rei de Sófocles, Laio aparece apenas como um referente mítico de um crime do passado, não sendo, pois, agente da tragédia. Esse fato deve ser observado na peça anterior da companhia, pois, diferente da obra sofocliana, Laio (interpretado por Remo Trajano) já ocupava um espaço privilegiado na trama.
Para além do caranguejo
Vol. VII, nº 63, dezembro de 2014
Resumo: O ensaio pretende refletir sobre aspectos particulares do processo criativo que foi apresentado ao público em setembro de 2014 no Teatro Dulcina, durante a ocupação Dulcinavista. Diante das ambiguidades existentes entre uma obra em processo e uma obra completa, pensam-se os próprios rumos possíveis do trabalho em construção, que parece se colocar frente ao espectador, inevitavelmente, como questão em aberto.
Palavras-chave: Obra, Processo, Estética da pobreza
Abstract: The essay intends to reflect on certain aspects of the creative process that was presented to the public on September 2014 at Teatro Dulcina, during the artistic occupation called Dulcinavista. Facing the ambiguities between a work in progress and a finished one, the author considers the spectator’s point of view and projects the future creative paths that end up showing themselves as open questions.
Keywords: Work, Process, Aesthetics of poverty
Power to the people ou Não duvide de uma vaca
LAIO
(…) Os heróis valentes se espalharam pelos quatro cantos do mundo vivendo muitas aventuras em busca da irmã. Mas certo dia, um dos heróis cansou-se de tanto buscar. Ele falhou. Sentiu-se muito envergonhado com isso. Imaginou que jamais conseguiria voltar para sua terra e encarar seu próprio pai. Então,o herói pediu ajuda a um oráculo que lhe ordenou: “Abandonai imediatamente a busca por vossa irmã. Fundai uma nova cidade e sede rei! Quando encontrardes uma vaca, não duvideis: Segui-a! Seguireis a vaca continuamente e não olhareis para trás. Na terra em que cair a pobre vaca fustigada pelo cansaço vós fundareis uma cidade”. Esta é história desta cidade. A história do pai do pai do pai do pai do papai. Hoje eu sou o rei e um dia será sua vez. (…)
Trecho de Edypop, de Pedro Kosovski
Introdução
Edypop estreou em janeiro de 2014 no Espaço Sesc, em Copacabana, e faz segunda temporada no Espaço Cultural Sergio Porto, na programação do Projeto Entre, em abril. Olhando para o primeiro trimestre de 2014 no teatro carioca, Edypop se destaca, a meu ver, como um dos poucos trabalhados que se dão ao risco no que diz respeito à pesquisa formal.