Estudos

Relação entre palco e plateia no teatro de Samuel Beckett

31 de março de 2014 Estudos

Não é monopólio brechtiano o conceito e emprego artístico do Verfremdungseffekt. O efeito de distanciamento ou estranhamento vigora no cerne do programa formalista (russo), e, segundo Anatol Rosenfeld, fora já meditado pelos clássicos Racine e Schiller (1). Sujeito aos propósitos de cada época e de cada pensador – singularizar a percepção, desmontar um mecanismo ideológico etc –, o efeito de estranhamento está presente também no teatro de Samuel Beckett. O escopo deste ensaio, porém, é refletir não apenas sobre o Verfremdungseffekt beckettiano, mas também sobre um outro tipo de efeito, contrário àquele, encontrado sobretudo nas peças tardias deste autor e que se pode chamar de efeito de imersão.

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Detecta-se em textos como Esperando Godot (1952), Dias Felizes (1961), Comédia (1962) e Eu Não (1973), senão uma quebra explícita da quarta-parede, pelo menos um desconcertante revelar-se da plateia para o palco. Os personagens – e não os atores – entrevêem (ou muito rapidamente ou intermitentemente e de modo difuso) a plateia. Estes momentos de (quase) descoberta perturbam o fluxo dramático, pois rompem o ilusionismo, criando um mal estar que se impõe como exigência de reflexão.

Discurso do marquês no dia em que se analisou

31 de março de 2014 Estudos

Introdução

O dramaturgo chileno-peruano Sergio Arrau (Santiago de Chile,1928) escreveu a peça para um só ator Confidencias del Marqués e dia que se murió [1] em Lima no ano de 1988. Nessa mesma cidade, a peça foi estreada em 1990 sob a direção do próprio Arrau. A personagem única é Francisco Pizarro, um dos três sócios na empresa da conquista do império Inca. A ação da peça ocorre em 1541, no curto período de tempo que transcorre entre o momento em que ele foi ferido no pescoço e a sua morte. Esta peça dramática é uma entre muitas outras em que Arrau dialoga com a história peruana. Nela o autor elabora uma versão pessoal sobre a controversa personagem de Francisco Pizarro e a apresenta sob a forma do monólogo de um moribundo que vê a si próprio nos seus instantes finais.

O presente trabalho se propõe como uma leitura da mencionada peça a partir de conceitos pertencentes à metodologia de análise do discurso. Assim, e sem passar pelo crivo da teoria e da técnica dramatúrgicas, explorar-se-á nas possibilidades que os instrumentos analíticos pelo mencionado âmbito de reflexão oferecem para uma abordagem alternativa ao texto de literatura dramática. As noções de instituição, lugar da escrita, condições de produção, comentário, interdição, tipologia, porta-voz, efeito de sentido e interação (entre o escritor como enunciador e o espectador como enunciatário) serão discutidos a partir das contribuições de Michael Foucault, Eni Orlandi e Pierre Bourdieu. Também, recorrer-se-á aos teóricos teatrais Jean-Pierre Ryngaert e Patrice Pavis, cujas abordagens ao texto teatral entendido como discurso encontram-se em corcondância com os conceitos desenvolvidos pelos mencionados estudiosos. Finalmente, no que se refere à figura de Francisco Pizarro contar-se-á com o aporte do reconhecido historiador peruano José Antonio Del Busto Duthurburu, um dos maiores pesquisadores sobre a vida do conquistador espanhol.

Teatro, o ato e o fato estético

27 de dezembro de 2013 Estudos

Arte, técnica e método – três noções complexas em permanente interação e repulsa, uma vez que artistas têm certa dificuldade em entender o que cada uma delas é, significa e promove.

As três noções são arcaicas, encontráveis já na Idade Antiga, conhecendo, ao longo dos tempos, diversos modos de arranjo e disposição entre si, movimento bascular entre uma e outra que singulariza certas escolas, certos artistas e, sobretudo, dado modo de encarar a própria atividade artística. Foi no início do século XIX, todavia, que uma polarização maior distanciou as três noções, adequando-as à ideologia do período – conhecido como Romantismo -, movimento que implicou agudas discussões a respeito da arte, momento que procurou sistematizar a Estética, nascida cinquenta anos antes. Os grandes torneios de opinião vão se cristalizar tendo como campo expressivo a poesia, a arte por excelência para Hegel e seus seguidores, assim como a música, através da valorização de uma subjetivação absoluta no tocante à criação da obra: o verdadeiro criador é aquele capaz de colocar sua alma na obra, viver até os píncaros seus sentimentos transfigurados em arte, imolando-se diante do leitor/espectador.

Instabilidades na recepção crítica ao teatro de pesquisa

27 de dezembro de 2013 Estudos

Correlacionamos aspectos pontuais da historiografia da crítica teatral para perceber a atividade aos olhos da cena contemporânea irradiada da cidade de São Paulo, onde atuamos no jornalismo cultural. Gradações humanistas, políticas e sociais refletidas agudamente na produção do período da ditadura militar ganham tonalidades outras, e não menos contundentes, sob a paleta do teatro de pesquisa e a voga dos grupos. Conjunções artístico-ideológicas demandam ao profissional ou ao militante da crítica sintonizar também porosidades para além das linguagens e estéticas. Tocar o fio de alta tensão condutor de arte e cidadania. Localizar no radar a demagogia e a incisão.

Guinsburg e Patriota anotam que as temporadas de meados dos anos de 1960 em diante tornaram evidentes o fortalecimento de vínculo entre arte e política, o engajamento em causas populares e a recusa da chamada concepção burguesa. Tudo em defesa de obras que transcendessem as salas de apresentação. Esse processo precipitou novamente a valorização do texto com eixos históricos e sociais. Fruto das sementes da politização pré-ditadura espalhadas pelos Seminários de Dramaturgia do Teatro de Arena, a partir de 1958, e dos Centros Populares de Cultura, os CPCs da União Nacional dos Estudantes, a UNE, despontados poucos meses depois.

Dramaturgias

27 de dezembro de 2013 Estudos

A palavra “dramaturgia” tem uma série de significados e, cada vez mais, eles se ampliam e se superpõem, apontando para a história do teatro e também para as questões que animam a discussão estética contemporânea.

A acepção mais difundida do termo dramaturgia remete ao campo da escrita de peças para o teatro. Falamos da dramaturgia de uma época, usamos o termo para referir o conjunto de peças de um dado autor ou ainda para aludir aos recursos de composição utilizados em um dado texto dramático. Mas há outra acepção de dramaturgia que se liga prioritariamente à constituição de uma narrativa cênica, espetacular, e para a qual, em português do Brasil, dispomos também do termo dramaturgismo. É desta última significação que vamos aqui tratar, em seus contornos históricos e estéticos.

Ao abordar a dramaturgia será sempre de produção de sentido que vamos falar. Seja ao evocar Lessing, historicamente o primeiro Dramaturg, seja ao descrever as diferentes tarefas que um dramaturgista pode desempenhar, ou ainda ao refletir sobre a operação de pensamento inerente à criação artística.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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