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O enigma do real
O espetáculo Garras curvas e um canto sedutor, texto de Daniele Avila Small e direção Felipe Vidal, que esteve em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, trouxe ao tablado a construção de um espetáculo realista, em que o tratamento do real parte de uma compreensão filosófica diversa da comumente associada às obras que se emaranham na problemática do realismo.
Grandes trabalhos artísticos se construíram e se constroem em relação direta com o real, ainda que tenham a consciência de que esse é sempre uma convenção de linguagem, isto é, um modo de operação da mímesis com os códigos ou com as leituras dos mesmos no mundo concreto.
A força da forma intuitiva
Depois da Queda é um texto do dramaturgo norte-americano Arthur Miller que expõe a reflexão do autor sobre seus próprios movimentos de autodestruição. Trata-se de uma exposição autobiográfica, quase como um tratado filosófico sobre si, mas que magistralmente se estabelece por meio de uma relação de alteridade – toda e qualquer possível conceituação de si, o autor estabelece naquilo que se pode enxergar de destrutivo no que o outro realiza. A autobiografia é ficcionalizada, sem dúvida, mas ela não se anula, é um recurso para falar daquelas questões mais óbvias – celebridades, família – mas é também um modo de colocar um indivíduo com todo o seu discurso psicológico em cena, justificado de certo modo por suas ideias. Deste jeito, o texto fica meio “retrato” do homem de uma época e, ao mesmo tempo, ele é “retrato” biográfico de um homem específico e importante, que foi o Arthur Miller. O texto se torna uma sobreposição de retratos: o do homem específico e o do homem histórico. Escrita em 1964, a peça cria uma instância de expressão sobre os sentidos possíveis de momentos em que a história parece mesmo não ter sentido algum como ideia, a não ser inserida em outra série.
“As histórias de hoje não têm clima. É só sacanagem.”
Os Catecismos segundo Carlos Zéfiro, em cartaz desde o dia 10 de março, no Teatro 2 do Centro Cultural do Banco do Brasil no centro do Rio de Janeiro, e que cumpre temporada até o próximo dia 10 de abril, é uma produção conjunta entre a ClaMa! Cia de Teatro e a companhia paranaense Vigor Mortis. Com direção e texto a cargo do curitibano Paulo Biscaia Filho, o espetáculo presta reverências e justa homenagem àquele que foi o responsável pela alegria dos onanistas de plantão e por boa parte da iniciação sexual dos jovens rapazes dos anos 50, 60 e 70, o cartunista Carlos Zéfiro. Ele se notabilizou por publicar e ilustrar mais de uma centena de revistinhas com conteúdo pornô-erótico que ficaram conhecidos em todo o país como “catecismos” – pois reza a lenda que estas eram vendidas dissimuladamente em bancas de jornais e entregues aos seus compradores escondidas dentro de publicações religiosas.
Um divisor de lodos
Não acredito num teatro em que a poesia é aberta. Prefiro mil vezes que o espetáculo me convide e me instigue a encontrar poesia em meio ao lodo. Ou melhor, em meio ao que o límpido bom senso considera lodo.
Em 1997, quando produzimos nosso o primeiro espetáculo da Vigor Mortis, utilizávamos o universo insano e doentio dos serial killers para falar da necessidade de mudança do status quo. Em 2004, Morgue Story, uma comédia de humor negro regada a sangue e situada num necrotério, falava do medo que todos temos de morrer só. Graphic foi nossa produção de 2007 e em momento algum explicava objetivamente a dificuldade que temos em sustentar nossas escolhas para uma vida que tenta promover o raro encontro entre prática e felicidade. Hitchcock Blonde não falava de cinema, mas sim de desejo, assim como Nervo Craniano Zero abusava de violência explícita para mostrar três personagens que criavam por vaidade e não por ter algo a dizer.
Com uma ajudinha dos meus amigos
Oh I get by with a little help from my friends,
hm Gonna try with a little help from my friends,
Oh I get high with a little help from my friends,
Yes I get by with a little help from my friends,
With a little help from my friends .
(Trecho da música With a Little Help From My Friends. Escrita por John Lennon e Paul MCartney. (1967). Do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. The Beatles.)
A casa número 10050 da Cielo Drive, no elegante bairro de Bel Air em Los Angeles, entraria para a história como o palco de um dos episódios mais brutais e sangrentos da recente história criminal norte-americana. Na noite de 9 de agosto de 1969, quatro jovens na casa dos 20 anos – um homem e três mulheres – seguidores de uma seita fundada por Charles Manson, invadem a residência do diretor cinematográfico Roman Polanski, assassinam a sangue frio sua esposa, a atriz Sharon Tate, então grávida de oito meses, e mais quatro amigos do casal. As vítimas foram torturadas, esfaqueadas e espancadas até a morte, o sangue delas foi usado para escrever mensagens nas paredes. Em uma delas foi escrito Pigs (Porcos). Na noite seguinte, o mesmo grupo invade outra casa da região. Matam o empresário Leno La Bianca e sua mulher, valendo-se do mesmo modus operandi. As mensagens escritas na parede da casa desta vez, também com o sangue das vítimas, foram: Helter Skelter (Confusão), Death to pigs (Morte aos porcos) e Rising (Insurreição).