Tag: bel garcia
Vida e arte em suspeição
Inglaterra – versão brasileira, dirigida por Bel Garcia e com texto de Tim Crouch, materializa questões latentes do mundo atual em um nível de entrelaçamento que causa, no mínimo, nossa perplexidade. Reconhecer que o curso dos acontecimentos é entrecortado pelo intempestivo é um processo doloroso. Compreender ainda que esse curso é interrompido por coisas que estão imersas em uma dimensão sem territórios definidos pode ser avassalador. A peça expõe a crueza do poder financeiro em que o comércio se solidariza com a noção de arte, sendo ambos importantes elementos que fomentam o par vida/morte. Existe um refinado jogo de imagens tensionadas entre o que se apreende com os termos agradecimento e reconhecimento.
Meios que encarnam a fala
A peça Matamoros, idealizada por Maíra Gerstner e dirigida por Bel Garcia, encena o conto de Hilda Hilst Matamoros (da fantasia), que conta a história de uma menina pelo viés da sua sexualidade em confronto com a porção familiar, a herança dos modos de ser e agir em tudo aquilo que acaba dando um contorno para o vivido. As trajetórias de mãe e filha se entrelaçam por acontecimentos da relação de afeto das duas, ainda na infância, que tenta reposicionar a sexualidade da menina. Mais tarde, ambas se verão na disputa por um mesmo homem. Isso faz com que apareça uma experiência que transita entre o desejo e um florescimento da vida e a inevitável sensação de morte que acompanha o novo quando faz desabar aquilo que parece nos prender. A morte surge como elemento inevitável de todas as promessas daquilo que é vivo. Dá-se uma espécie de encarnação da maternidade e da finitude pelo lado da apreensão da filha, ao mesmo tempo em que sua criação de fantasia propõe um falseamento que renova os significados da relação entre as duas.
“A vida é perto”
Com a distância física não se brinca. Será? Depois de tantos emails trocados e conversas em chats nas quais a prioridade era saciar a curiosidade sobre vida do outro, a escritora Ana, personagem da estreia dramatúrgica de Gregório Duvivier e Clarice Falcão, descobre o quanto de ficção pode haver por detrás da tela do computador.
Em meio à ansiedade de não conseguir escrever seu segundo livro, Ana vê num fã que se aproxima virtualmente, John, a oportunidade de disfarçar o “ócio criativo” como “tempo ocioso” enquanto a inspiração não chega. Assim sendo, começa a estabelecer um tipo de amizade virtual com John, um rapaz viajado, que não se fixa em país algum, com um humor bacana, rico, e que parece ser sincero.
Corações comovidos… e outras histórias
O texto que segue foi publicado no Jornal do Brasil em 13 de maio de 2009, durante a primeira temporada desta peça, que estreou no Oi Futuro Flamengo e agora reestreia no Teatro Nelson Rodrigues. Para esta edição, foram modificadas as informações sobre a temporada e outros detalhes, mas foram mantidos o formato e a extensão, característicos da crítica escrita para o jornal impresso.
Esqueça as fantasias de personagens da Disney, as peças infantis que imitam filmes que todo o mundo já viu e as insossas histórias de princesas. Em cartaz Teatro Nelson Rodrigues para uma curta temporada, A mulher que matou os peixes…e outros bichos passa longe da mesmice do teatro infantil. Não sobra um clichê pra contar a história. Aliás, a peça também não segue o protocolo que determina que, para fazer uma peça infantil, é preciso contar uma história. Ela conta várias: a da mulher que matou os peixes, do gato acertadamente apelidado Pinel, de vários cachorros que não estão mais entre nós, de uma macaca que também não teve vida longa, enfim, a peça reúne uma série de relatos improváveis para o divertimento. A morte dos bichos de estimação, um dos fatos da infância que parece sacudir a forma como as crianças veem o mundo, é um tema que permeia toda a peça. Mas sem apelação para a choradeira. Pelo contrário.
Presença que escapa
Em sintonia com uma das principais propostas da Cia. dos Atores, Devassa desponta como uma desconstrução de um texto original – no caso, Lulu, de Franz Wedekind, já transportado para o cinema por G W. Pabst. A diretora Nehle Franke e os atores se preocuparam em entrar em contato com a integridade da obra original antes de dissecá-la em cena. É interessante acompanhar a perseguição dos personagens por uma Lulu, que, mesmo quando parece ter sido dominada, escapa, sempre fugidia, das mãos de seus controladores.