Tag: Vol. XIII nº 72

Museu encena

13 de setembro de 2021 Processos

A gente tem que lutar para tornar possível o que ainda não é possível.
Isso faz parte da tarefa histórica de redesenhar e reconstruir o mundo.
Paulo Freire

Apresento uma situação a partir de seus impasses e instabilidades: um grupo de teatro em trabalho de escuta; uma proposta cênica em uma ação de museologia social; uma atividade presencial no meio da pandemia; criar uma produção de memória oral mantendo distanciamento social. Essas sequências de deslocamentos são o pano de fundo geral da encenação.

Um semestre após três ações pontuais realizadas em abril de 2021, apresento, enquanto uma das idealizadoras, produtoras e coordenadoras pedagógicas, as condições que possibilitaram a realização do “Museu Ambulante” e o formato que ele adquiriu ao ter que se adaptar à realidade da pandemia e ao calendário proposto pelo edital “Retomada Cultural” da SECEC-RJ no âmbito da Lei Federal Aldir Blanc. Aponto breves percepções a partir de uma prática teatral realizada durante a pandemia que operou um procedimento inverso ao de ir para o campo virtual, como fizeram a maior parte dos artistas da cena teatral. Procedimento difícil, tenso, que, certamente, só foi possível devido ao caráter singular do território e à capacidade de transformação da proposta inicial do coletivo teatral, o Grupo Erosão, ao longo de quase um ano.

Crítica agora

13 de setembro de 2021 Críticas

Boa noite a todo mundo que está aqui conosco presente[1], agradeço enormemente pelo convite. Agradeço ao carinho e às trocas que tivemos neste processo, com Jhoao Junnior, Renata Meiga, Dadado e Ronaldo. Foi muito importante pra mim conhecer e encontrar vocês neste percurso, a partir dos materiais e a partir dessas fricções que a gente está vivendo neste tempo histórico e também pelos nossos percursos.

Então, eu gostaria de comentar com vocês algumas coisas que a gente falou no processo e que penso que nesta mediação será importante destacar a pluralidade das vozes entre as equipes que produziram as cenas inéditas e o público presente. Eu vou fazer uma audiodescrição rápida pois talvez tenha alguém que não esteja me vendo. Eu sou uma mulher trans branca, tô com o cabelo castanho liso com mais volume do lado esquerdo, com um colar no pescoço. Atrás de mim, uma estante com livros, em biblioteca e do meu lado direito uma janela com vidros. Bom, estou também muito feliz de dialogar deste lugar, com as questões que foram trazidas por meio destas cenas. Que são provocativas e que eu provoquei. E que me provocam de volta e aqui eu tenho algumas questões que eu vou compartilhar com vocês no sentido de provocar novamente esse debate, essa relação, a mediação desta noite.

Ancestralidade positiva – um resgate das existências que escapam

12 de setembro de 2021 Processos

O Futuro não é depois: uma performance palestrativa sobre Cazuza e Herbert Daniel é um trabalho criado para o projeto “Cena agora – Arte e ciência: corpos reagentes, existências em crise”, do Itaú Cultural, que em sua segunda edição quis pensar as relações possíveis entre arte e ciência a partir de inúmeros e plurais pontos de partida. O trabalho em questão é um dos vários desdobramentos poéticos do projeto “Como eliminar monstros: discursos artísticos em torno do HIV/AIDS”, criado por mim em parceria com o diretor carioca Fabiano de Freitas, o Dadado, para pensar as relações entre arte e HIV e como ela, em suas inúmeras tentativas de se debruçar sobre o tema ao longo dos 40 anos da epidemia, muitas vezes também produziu discursos que ajudaram a perpetuar os estigmas sociais produzidos no bojo da epidemia discursiva do HIV.

O projeto estreia, coincidentemente, também em um evento do Itaú Cultural, a Mostra Todos os Gêneros, na sua edição de 2019, portanto um ano antes da pandemia do coronavírus. Em 2020, adaptado para versão on line, o projeto ganhou várias edições e se mostrou bastante pertinente para pensar uma epidemia (a da COVID-19) à luz de outra (a da AIDS) e as semelhanças e dessemelhanças impressionantes em torno de um modus operandis social que ocorre diante de atravessamentos como estes.

Corpos, sons, textos, imagens e telas

12 de setembro de 2021 Estudos

O coletivo Pandêmica, que desde o começo da quarentena produz espetáculos como 12 pessoas com raiva ou eventos como Orgulhe, também se propôs a abraçar outros projetos e ser palco-tela para artistas que estão produzindo arte-teatro-afeto de distintos lugares do Brasil. Desta vez, propiciou algo que se faz necessário quando profissionais da arte nos tornamos: pensar, refletir, discutir sobre os temas: dança, atuação, direção musical, direção e dramaturgia.

Mas, pergunto-me agora, como escrever sobre tais temas, sobre os encontros sobre tais temas, sobre como se produziram esses temas nas nossas telas (palcos-casas)? Os encontros performativos, que agora são plasmados nessas palavra-papel DIGITAL a partir de uma escrita ou ex-crítica performaAtiva, são divididos assim, nestes eixos descritos acima, em caixinhas mesmo… pois não é pelas caixinhas-telas, que nos comunicamos atualmente? Talvez tentando sair das caixas, mas apropriando-se do que é possível em meio a esse caos (vide pandemia mundial, quarentena, isolamento, bolsonarismo genocida), eu, Maria Lucas, que aqui escrevo como crítica (?), estive no encontro sobre atuação, como atuadora-artista. Ao receber o convite, lancei uma questão para a equipe, levada a ser despontada na noite do encontro (via telas). Questionei sobre atuação, mas mais ainda sobre A – TUA – AÇÃO. O que você atua, como? Na casa, na vida. Teatro-Arte-Tela-Vida é política(?).

Ser travesti não precisa ser sempre uma barra pesadíssima!

12 de setembro de 2021 Críticas

 

“Por que eu tenho que parecer hétero?
 Por que eu tenho de parecer mulher?
                eu não posso parecer uma caminhoneira, um caminhoneiro?
                                         Por que eu não posso ser travesti?”
(Claudia Wonder, 2009)[1]

 

É uma barra MUITO pesada ser travesti e estar viva (e atuante) nesse país que, mesmo antes de um presidente genocida, já liderava o ranking sendo o que mais mata pessoas trans em todo o mundo: o foco maior é em travestis, sobretudo pretas e em situações de rua, prostituição e alta vulnerabilidade social.

Fazer-se, atuar, reivindicar, é, não só arte, política. Eu, que escrevo esse texto, e as outras que transcrevo nesse esboço crítico, somos, antes de mais nada, o sonho de conquista revolucionária das que aqui estavam antes da violência chamada de Descoberta a partir da Portugal colonial chegar, e também das que, como Xica Manicongo[2], foram escravizadas e aqui, longe de suas terras originárias, obrigadas a serem quem não são, ultrajadas. Somos também a continuação da existência das que resistiram à Operação Tarântula[3] e à Ditadura Militar. Ser travesti é assumir-se contra um projeto de mundo processualmente construído para nos matar… Mas é também ativar uma força ancestral de poder e glória contra um CIStema que cega a todos e todas fazendo com que trabalhem em prol de ver-nos mortas, apagadas. É necessário então, para que sigamos produzidas-produtivas e vivas-ativas, que reergamos o nosso projeto de mundo, contrário ao imundo projeto precário e caduco, mas ativamente potente, branco-europeu-cis-colonial e binário que vem, ao longo de séculos, nos apagando, afastando e arrancando, literalmente, o nosso sangue. Para isso, se faz necessário conhecer e exaltar as que estiveram aqui antes de nós e reconhecer e estimular as potências das que ainda seguem vivas aqui.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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