Corpos, sons, textos, imagens e telas

Considerações-experimentações sobre os encontros da Mostra Pandêmica

12 de setembro de 2021 Estudos

O coletivo Pandêmica, que desde o começo da quarentena produz espetáculos como 12 pessoas com raiva ou eventos como Orgulhe, também se propôs a abraçar outros projetos e ser palco-tela para artistas que estão produzindo arte-teatro-afeto de distintos lugares do Brasil. Desta vez, propiciou algo que se faz necessário quando profissionais da arte nos tornamos: pensar, refletir, discutir sobre os temas: dança, atuação, direção musical, direção e dramaturgia.

Mas, pergunto-me agora, como escrever sobre tais temas, sobre os encontros sobre tais temas, sobre como se produziram esses temas nas nossas telas (palcos-casas)? Os encontros performativos, que agora são plasmados nessas palavra-papel DIGITAL a partir de uma escrita ou ex-crítica performaAtiva, são divididos assim, nestes eixos descritos acima, em caixinhas mesmo… pois não é pelas caixinhas-telas, que nos comunicamos atualmente? Talvez tentando sair das caixas, mas apropriando-se do que é possível em meio a esse caos (vide pandemia mundial, quarentena, isolamento, bolsonarismo genocida), eu, Maria Lucas, que aqui escrevo como crítica (?), estive no encontro sobre atuação, como atuadora-artista. Ao receber o convite, lancei uma questão para a equipe, levada a ser despontada na noite do encontro (via telas). Questionei sobre atuação, mas mais ainda sobre A – TUA – AÇÃO. O que você atua, como? Na casa, na vida. Teatro-Arte-Tela-Vida é política(?).

A
TUA
AÇÃO

Questiono sobre como atuar “de CASA” quando não se tem CASA…


Sim, sou uma atriz-artista travesti no Brasil (país que mais mata travestis em todo o mundo! VC Ñ ENTENDEU ISSO AINDA?), tendo sido expulsa de duas casas em que vivi, em meio à pandemia (expulsa por pessoas cis, feministas, academicas, ARTISTAS que devem estar agora mesmo em outras telas, não ATUANDO, mas IN-TER-PRE-TAN-DO um mundo fictício e real  e que reverbera morte, inclusive nas telas).

Mas, não que seja menos importante minha existência (mas o é, pois eu que escrevo este texto) por vezes sem casa, como mencionei, atuadora que atua com dor de não ter palco-teto, mas nessa noite acionada – a dos encontros performativos – tive tela e agora tenho caneta e papel (Mentira! Escrevo de telas e pelas quais você me lê também), me encontro com outras atuadoras, assisto outres que também se conectam em telas e extravasam de suas salas-casas com o desejo de palco, rua, suor, arena…

Frame de Laís Castro e Lorraine Mayer no encontro sobre dança.
Frame de Laís Castro e Lorraine Mayer no encontro sobre dança.

A imagem é presença?”se questiona Laís Castro (ou seria Mariana Pimentel ou João Paulo Lima … pois estas falas foram lançadas nas telas escuras, sendo traduzidas pelos intérpretes de libras, ao iniciar o encontro sobre dança-corpo-presença).

Qual corpo eu imagino, qual presença eu imagino?” A questão levantada por um dos participantes do encontro mencionado anteriormente, poderia ser também uma frase deslocada do encontro-vídeo sobre produção, eixo talvez dos mais importantes para o momento em que nos encontramos, sobretudo pra quem se propôs a produzir sem patrocínio. Os encontros, assim como outros projetos do Pandêmica, foram proporcionados por meio da Lei Aldir Blanc, permitindo assim pensarmos e discutirmos sobre os fazeres das artes cênicas em tempos em que todes nós precisamos, de distintas formas, nos reinventarmos para as telas… e não só para elas, mas para a realização de projetos dentro de nossas próprias casas, assim como lembrou a atriz Tatiana Henrique que resolveu fazer um tour pela sua casa-estúdio-cenário-camarim-filhos.

Frame de Tatiana Henrique no encontro sobre atuação.
Frame de Tatiana Henrique no encontro sobre atuação.

Como se organizar de forma tão caótica quando arte-vida se deslocam de maneiras tão confusas em meio a uma (confusão) pandemia?

Talvez, um tanto menos importante que os assuntos “sobre os fazeres da arte”, seja interessante ouvir o que o produtor Paulo Mattos fala e atenta para o nome da lei que proporciona tais encontros-projetos: Aldir Blanc, um artista tão importante e atuante para a cultura nacional e que faleceu devido ao vírus que nos assola e isola. Sim, não é só sobre DISCUTIR ARTE, é sobre vida, é sobre morte!

“O que eu gostaria mesmo é de colocar vocês no colo!” Diz a artista Flavia Teixeira para es diretores Natasha Corbelino e Fabiano (Dadado) de Freitas. Almejando, almejamos um tempo do futuro, do DEPOIS – será que em algum certo “depois” disso tudo que estamos vivendo as relações serão mais humanas e acabaremos DE VEZ com o MITO (não só o des-presidente, genten!) do diretor agressivo-abusivo com seus atores e/ou com uma certa competitividade na nossa(s) arte(s)?

Como estaríamos, de diversos lugares do país, realizando tais encontros sobre estes temas? Será um “ganho” desse momento conseguirmos nos aproximar? Será que estamos conseguindo? Será que estamos em comunicação, EM REDE?

SILÊNCIO (S)

Teatro, se você já ou fez-assistiu, sabe que é feito TAMBÉM de silêncios… é preciso ouvir-enxergar. Estes encontros-vídeos propiciados pelo Pandêmica produziram diversos SILÊNCIOS (e choros e gritos e coros) o que nos faz pensar e nos afetar e talvez questionar se não é isso que se faz o teatro (para além do corpo, da imagem, do som), o AFETO, ou AFETAÇÃO – sim, afetadas todas, pois educadas-ensaiadas-adestradas a gritar e pular em palcos, ficamos todas grandes e desproporcionais nas telas.

“Essa tela me deixa cinza!” – reinvindica Tatiana Henrique, alertado assim que usamos o ZOOM, uma plataFORMA FORMAL feita para fazer o contrário do que fazemos: ENCAIXOTAR  e reunir resumindo, padronizando. Seremos os rebeldes dos tempos Pandêmicos? Estamos, talvez, revertendo a ordem das coisas-telas e deturpando os espaços-telas para sermos menos quadradas-telas?

Frame de Tainah Longras e Lorraine Mayer no encontro sobre dramaturgia.
Frame de Tainah Longras e Lorraine Mayer no encontro sobre dramaturgia.

Como, como artistas da cena-palco, caber e têlas, as telas? Bom, acho que chegando nesse momento do texto (se aqui você chegou) já deu pra observar que seria difícil categorizar ele, o texto, em uma caixinha, assim como se faz com esses encontros, não só os promovidos nesse projeto que trago aqui para dividir em partes e kriticar (conjugar o verbo grego krinein), mas em tudo isso que vinhemos cunhando de teatro online, peça-sonora, experiência-cênica, ou seja lá que nome leve.

relaxe,
respire,
esvazia sua mente…
aperte o pause, ao menos tente…[1]

Canta em sons dissonantes o músico Felipe Storino, enunciando-alucinando e iniciando o encontro sobre direção musical, onde se discutiu e falou sobre a paisagem sonora-música sobre uma possível dramaturgia: sim, um tema já antigo e debatido em outra plataformas, mas no YouTube eu nunca tinha parado para assistir, em casa, essa e outras discussões, cursos palestras, sobre as Artes Cênicas de forma tão diária e efusiva como durante a quarentena. Trouxemos então para nossas casas o que vivemos em nossos mundos-afora, com nossas pernas, braços e asas.

Estaríamos agora com grandes asas com C?

(C)asas

Nosso espaço, pensar o espaço, construir imagem-som-ação: uma pesquisa de linguagem que não tem fim, nem núcleo, mas experimentação… experimentar a ação. Sim, esse texto se dá, se deu (tá se dando) assim. Foi e está sendo minha forma de escrever pensando sobre como fazer teatro agora neste tempo espaço. Estamos construindo novas possibilidades de ágora?

O que estamos-estivemos fazendo nestes pandêmicos tempos? Isso é arte? Somos artistas? Fazemos vídeos jogados nas plataformas e escrevemos textos que serão poucos lidos em outras plataformas, sítios lotados, poluídos (?). Pra quem? Estaremos vivas para assistir-ouvir-ler essa inundação que fizemos-fazemos nas redes, no amanhã?

Daniele Avila Small, em sua participação, traz palavras como rádio-teatro, teatro online, peças radiofônicas, experimentações, vanguardas, revista eletrônica, documentário cênico, tecendo um mapa (ou seria uma cartografia visual-sentimental) de feituras de “teatro” em suas diversas formas audíveis-telas-en línea ao longo de nossa história, chegando aos dias de hoje, sem se preocupar em categorizar, dividindo em partes e problematizando-pensando com essas “novas” formas de ir a – construir – absorver a CENA.

“Como eu vou ficar depois de ter vivido isso?” Ouvimos a frase a se repetir de formas dissonantes, ao se multiplicar a imagem de Josyara, que surge com máscaras e vestimentas que lembram uma astronauta. Talvez seja isso, reverberar e encerrar assim do nada, como se “o zoom travasse”, a internet caísse, a luz acabasse, a tela congelasse. Nessa tentativa de construir um texto e constante (des)construção que problematize? (ai cafona!), se desenvolva assim como nossa arte ao vivo gravado com foco-zoom que pode a qualquer momento, na experimentação, experimentar a AÇÃO, ou a TUA AÇÃO e terminar assim, do nada… não!

  • Como eu vou ficar depois de ter vivido isso?

e ecoa

  • Como eu vou ficar depois de ter assistido isso?
  • Como eu vou ficar depois de ter lido-escrito isso?

(A pandemia) ACABOU (?-!)

Nota

[1]  Música composta e realizada para o espetáculo Outside, um musical noir, da Aquela Cia., em 2011.

Referências

Pandêmica: https://www.pandemicacoletivo.com/

Mostra Pandêmica: https://www.pandemicacoletivo.com/c%C3%B3pia-festival-%C3%A0s-escuras

Para assistir aos encontros:

Direção musical, com Felipe Storino, Josyara e Daniele Avila Small: https://youtu.be/ww84fX9kU2E

Dramaturgia, com Marcio Abreu, Henrique Fontes e Tainah Longras: https://youtu.be/FzwVo1sSKfk

Direção, com Fabiano de Freitas, Flávia Teixeira e Natasha Corbelino: https://youtu.be/aZCpobUE5gY

Atuação, com Maria Lucas, Mariana Queiroz e Tatiana Henrique: https://youtu.be/2rJgE7HVY4I

Dança, com João Paulo Lima, Laís Castro e Mariana Pimentel: https://youtu.be/kgjVGJzfZNo

Produção, com Nely Coelho, Paulo Mattos e Raquel Parras: https://youtu.be/Hpx1KAYKnVk

 

Maria Lucas é uma artista que pensa, atua, escreve e performa.

Vol. XIII nº 72, setembro a novembro de 2021

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