Autor Luciana Eastwood Romagnolli
Um Galpão realista

O Grupo Galpão se propôs a trilhar um território inesperado ao eleger uma peça de Anton Tchekhov como base de seu próximo espetáculo, o primeiro encontro com a diretora conterrânea mineira Yara de Novaes. Impelido pelo desejo de experimentar uma construção mais intensa de personagens, pôs de lado a tradição mambembe, popular e a comédia, que em 29 anos de trabalho coletivo entre atores rendeu seus maiores êxitos (como Romeu e Julieta, de 1992, Um Moliére imaginário, de 1997, ou o mais recente, Till – A saga de um herói torto, de 2010). Abandonada a zona de conforto – embora a constante rotativa de diretores convidados sobre a qual se funda a trajetória do grupo testemunhe contra a noção de conforto – para se lançar na experimentação de um teatro realista de fundo psicológico – estética relativamente inédita para os atores, ao menos nessa gradação.
Uma reavaliação das posturas individuais

Uma interrogação essencial a atravessar as estruturas da peça Oxigênio, da Companhia Brasileira, é de que modo o ator pode se colocar legitimamente no palco, diante do autor das palavras que profere, do colega com quem contracena e, em última instância, do público.
O texto do dramaturgo russo Ivan Viripaev exige esse autoquestionamento, na medida em que derruba as roupagens com que um ator costuma se travestir ao assumir um papel. Faz com que os personagens catalisadores do espetáculo, um assassino passional e sua musa cúmplice, se esfacelem, sobrevivendo apenas como artifícios para proveito dos narradores. Estes, à sua vez, também se desmantelarão.
Relações passionais no íntimo familiar

Por quase 40 anos, a obra dramatúrgica de Hilda Hilst permaneceu à sombra de sua prosa, esta sim frequentemente adaptada ao palco em montagens como O Caderno Cor de Rosa de Lori Lamby ou A Obscena Senhora D. Somente em 2008 foi lançada a reunião de suas peças completas, grande parte inédita: um incentivo a encená-las. Não surpreende, portanto, que a Ruminar Cia. de Teatro, de Curitiba, tenha se proposto a montar O Visitante, texto ímpar em uma obra teatral já toda singular.
Hilda se dedicou à literatura dramática apenas em um curto período entre 1967 e 1969, ano em que a produção numerosa e consistente de mulheres como Leilah Assunção e Consuelo de Castro afirmava, pela primeira vez, a dramaturgia de autoria feminina no país – mas Hilda se diferencia de suas contemporâneas por escapar ao teatro de costumes. Naquele momento, a tomada do palco como lugar de expressão sinalizava o crescente movimento feminino de apropriação do espaço público – para além da literatura, solitária e circunscrita ao ambiente privado – uma das principais bandeiras feministas.
Porque a vida não é bonita o bastante

Em É Só Uma Formalidade, seu espetáculo de estreia, o grupo mineiro Quatroloscinco Teatro do Comum escolheu tratar da ilusão, tema dos mais pertinentes à arte teatral. Se a vida não é bonita o bastante, como diz um dos quatro atores em cena, resta criar.
Interessados nos fracassos da trajetória humana e nas esperanças que se esvaem, os atores-criadores armam o espetáculo, porém, sem sucumbir simplesmente ao retrato do feio ou do sombrio. Se questionam a ficcionalização ilusória da realidade, há neles sobretudo uma crença na criação artística, que se expressa em uma dramaturgia irônica e pessimista, mas, ao mesmo tempo, em relações afetuosas entre os atuantes e destes com a plateia. Sinal de que, diante da falta de entendimento entre os personagens, o grupo não desistiu da comunicação com o público. O pessimismo, então, aparece como tema, não como fim.
Rendendo as rédeas ao espectador

Até então ocupada com um teatro de enredos e personagens, de tragédias caseiras e desencontros emocionais, como nos espetáculos Bicho corre hoje e Delicadas embalagens, a Cia Senhas inaugura uma nova maneira (para si) de se relacionar com o público, a matéria criativa e a ocupação do espaço em Homem Piano – Uma instalação para a memória. A diretora Suely Araújo e o ator Luiz Bertazzo criam, a partir de uma situação factual, um espetáculo que é um acontecimento em si e convida o público ao jogo, cumprindo um percurso que se abre para a possibilidade de um final verdadeiramente catártico.