Autor Daniele Avila Small
Narrar, interiorizar, dialogar, descrever, caracterizar… atuar
Em cartaz até o fim de janeiro no Espaço Cultural Sérgio Porto, Corte seco, peça da Cia Vértice de Teatro dirigida por Christianne Jatahy, coloca em cena algumas questões que, a princípio, parecem pertencer exclusivamente ao universo do teatro: os exercícios, procedimentos e questões da criação de um espetáculo teatral.
Qual seria o interesse, do ponto de vista do espectador, por uma peça que expõe um processo? Qual é a conexão entre a pessoa que não faz nem estuda teatro e um espetáculo que abre fendas na sua espetacularidade e se autoficcionaliza? Se é possível dizer que os trabalhos deste grupo, assim como os de diversos outros grupos que atuam no teatro carioca, se desenvolve a partir do que se convencionou chamar de pesquisa de linguagem, como fica a relação entre a cena e o público?
Máscara transparente
A conversa foi realizada em março de 2010.
DANIELE AVILA – Seria interessante se você pudesse começar falando um pouco sobre a peça e sobre o que é importante pra você como artista nessa peça.
CHRISTIANE JATAHY – Pra mim, o Corte seco se instaura como uma parte importante de uma pesquisa que, como vocês sabem, não começa com Corte seco. De alguma forma, o que está ali, sendo visto pelo público, no momento em que a peça está sendo feita – porque a peça tem essa característica de estar sendo feita em parte na hora – é muito do que a gente viveu, muito do que eu aplico, em todos os meus processos. De fato, o Corte Seco é uma tentativa, um desejo de abrir o processo, ou seja, colocar em cena de alguma forma a maneira como eu trabalho, tanto para a construção de uma peça quanto para o treinamento. Isso está tão ligado à questão dos sistemas, ao uso dos sistemas como material provocativo pra construção da dramaturgia, um estímulo para os atores construírem a cena, como também a essas interferências, que têm o objetivo de tornar vivo o que está acontecendo na cena, o que vai gerar uma dramaturgia que se transformará numa coisa que, apesar de parecer aberto, não está aberto. Está aberto como qualquer outra peça.
Atuação e representação
Na peça O zoológico de vidro de Tennessee Williams, em cartaz no Teatro Maison de France, uma questão no trabalho dos atores aparece de forma bem delineada: em cena, duas formas diferentes de relação com a frontalidade são exemplares como registros de atuação distintos, que não costumam aparecer juntos. Estes dois registros ficam visíveis não apenas pelas escolhas do diretor Ulysses Cruz e pela própria natureza dos personagens, mas a índole e a formação dos atores também são fatores que contribuem para estas duas concepções do trabalho de atuação.
Convite à cumplicidade
Está de volta ao Rio o monólogo Negrinha, que fez curta temporada na sala Multiuso do SESC em 2008. Agora em cartaz no Casarão Austregésilo de Athayde, a peça se encaixa numa outra realidade da produção teatral carioca: os espaços pouco convencionais demoram um pouco pra formar público. O SESC é uma oportunidade segura para a visita de produções de fora da cidade, tendo em vista que o espaço já tem o seu público cativo. No entanto, nem sempre o público do SESC é o público certo para a peça que vem de fora, e nem sempre o espaço é o ideal. No caso de Negrinha, o Casarão pode ser uma opção mais interessante para o espetáculo, especialmente se levarmos em conta as opções de espaço cênico que o grupo tem feito para o seu repertório.
Uma verdade ainda negativa
O estrangeiro, peça em cartaz no Mezanino do Espaço SESC, é uma adaptação de Morten Kirksov para o romance homônimo de Albert Camus, com tradução de Liane Lazoski. Em cena, Guilherme Leme, que assina a direção junto com Vera Holtz, conta a história de seu personagem, Mersault, na primeira pessoa. Mersault é, a princípio, um homem comum. Aos poucos, percebemos que algumas fronteiras entre o comum e o incomum se romperam e que o limite entre o espaço do indivíduo e o espaço da sociedade está sendo apresentado como algo bastante complexo.