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Liberdade pela metade
A ideia de entrar no teatro para ver uma releitura de Shakespeare, ainda mais com este belo título, O animal que ronda, me deixa sempre numa expectativa prazerosa. Não só porque as releituras dos clássicos são mais raras do que eu gostaria na cena teatral carioca, mas sobretudo porque, ao ver uma nova interpretação de uma obra canônica, duas vertentes muitas vezes antitéticas do meu trabalho, a de crítico teatral e a de professor de filosofia, encontram uma síntese que faz com que eu me sinta menos partido. Afinal, como professor universitário, eu sou fundamentalmente um leitor de releituras de obras clássicas. Nesse sentido, independentemente da minha vontade consciente, me sentei na arquibancada do Espaço Municipal Sergio Porto com duas perguntas (ou exigências) na cabeça.
O oráculo dobrado em Macbeth: presente/futuro, história/sobrenatural
Vol. VIII nº64, maio de 2015.
Resumo: O artigo pretende analisar a tragédia Macbeth, de William Shakespeare, refletindo sobre o significado ambíguo e metalinguístico da fala oracular das bruxas, interpretando o sentido de história e de narrativa que essas figuras sobrenaturais constroem em Macbeth. Para isso, refletiremos sobre a temporalidade e as imagens que essa tragédia dá a ver a fim de entender as categorias presente/futuro, história/sobrenatural, nessa obra.
Fusão temporal em espetáculo expositivo
Gabriel Villela propõe articulações (pelo menos, aparentemente) ousadas em Sua incelença, Ricardo III. O próprio título sugere uma apropriação da peça de William Shakespeare atravessada por referências à cultura nordestina e instâncias temporais diversas. De certo modo, o diretor inscreve esse espetáculo – resultado de sua parceria com o grupo Clowns de Shakespeare, de Natal – na vertente de versões contemporâneas de obras do autor inglês, como, guardadas as devidas distâncias e proporções, o filme Romeo + Juliet, de Baz Luhrmann. O entrelaçamento entre passado e presente também faz evocar outra produção cinematográfica (agora, desvinculada de Shakespeare): Maria Antonieta, de Sofia Coppola.
Shakespeare para jovens de coração
R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida texto do americano Joe Calarco (que estreou em Londres ainda nos anos 70) teve esse ano uma versão carioca dirigida por João Fonseca, que começou com uma temporada na arena do Espaço SESC, passou pelo Teatro Glaucio Gill e em seguida foi para o tradicional palco italiano do Teatro Carlos Gomes. O texto mostra quatro alunos de um colégio rigoroso em Londres onde, entre os estudos, a rigidez dos professores, o dever das lições e orações, pairam quatro jovens que decidem encenar Romeu e Julieta no momento em que lhes é permitida a descontração do recreio escolar.
Sobre cânones e bruxas
A montagem de um texto como Macbeth, que tem não apenas um sem fim de estudos na sua história, mas também carrega consigo uma série de expectativas por parte dos espectadores, acaba por colocar os artistas envolvidos numa situação um tanto particular. Parece que todo o mundo tem uma opinião prévia sobre como se deve (ou como não se deve) fazer Macbeth. A liberdade de criação, a escolha de uma leitura mais radical, ficam às vezes tolhidas pela carga de conhecimento que é exigida de quem vai fazer e que serve de arma – e de escudo – para quem vai assistir. Diferentemente da criação de um espetáculo que desenvolve sua própria dramaturgia e estabelece suas próprias premissas, a realização de uma montagem de um clássico esbarra nessa rede de preconceitos que envolve a todos: espectadores, críticos e artistas.