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A teoria da vanguarda de Pedro Brício
![a outra cidade](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2013/12/a-outra-cidade-590x331.jpg)
“Hamm: O fim está no começo. E, no entanto, continua-se.”
Samuel Beckett, Fim de partida
A outra cidade como Bildungsroman
Um verdadeiro Bildungsroman. A estrutura de A outra cidade parece clara. Valentín, 14 anos, precisa crescer, amadurecer, sair da sua pequena cidade-natal (tanto geográfica quanto psíquica) e ir para a cidade grande, isto é, para outro lugar, outra cidade. O problema é que, como nos romances de formação tradicionais, o amadurecimento exige uma série de renúncias pulsionais. É preciso trocar o mundo das fantasias infantis – mundo em que as possibilidades de ser parecem sempre ilimitadas, em que o fim das histórias permanece sempre aberto – por um outro mundo feito de escolhas, concessões às demandas do Outro e, portanto, perdas. Ou ganhos, dependendo do ponto de vista. Em todo caso, a auto-determinação implica necessariamente uma auto-limitação. Só é possível ser alguma coisa quando se abre mão de ser tudo, isto é, de ser qualquer coisa.
Iluminando o problema da autonomia da obra de arte
![breu](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2013/07/breu-590x393.jpg)
“Para Proust, não se trata de escrever um romance de impressões seletas e felizes, mas sim de enfrentar, por meio da atividade intelectual e espiritual que o exercício da escrita configura, a ameaça do esquecimento, do silêncio e da morte. Em outras palavras, não é a sensação em si (o gosto da Madeleine e a alegria por ele provocada) que determina o processo da escrita verdadeira, mas sim a elaboração dessa sensação, a busca espiritual de seu nome originário, portanto a transformação, pelo trabalho da criação artística, da sensação em linguagem, da sensação em sentido.”
Jeanne-Marie Gagnebin, O rumor das distâncias atravessadas
Dentre os principais problemas da estética, talvez o mais importante seja o problema da autonomia da obra de arte, fundamental para o surgimento da estética em sentido moderno, como disciplina filosófica distinta da ontologia e da ética. Se, na Antiguidade e na Idade Média, o valor das obras era determinado com base em sua capacidade de desempenhar mais ou menos satisfatoriamente funções religiosas, políticas ou educativas, na Modernidade as obras passam a ser pensadas como tendo o seu fim – e a sua lei (nómos) – em si mesmas (autós). Na Crítica da faculdade de julgar, de Kant, encontramos a célebre articulação entre arte e desinteresse. As obras de arte passam a valer tão somente pela sua capacidade de nos propiciar um prazer desinteressado, isto é, um prazer que não é mais condicionado nem por nossos interesses teóricos nem por nossos interesses práticos.
Vida e arte em suspeição
![Inglaterra](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2012/08/Inglaterra-590x282.jpg)
Inglaterra – versão brasileira, dirigida por Bel Garcia e com texto de Tim Crouch, materializa questões latentes do mundo atual em um nível de entrelaçamento que causa, no mínimo, nossa perplexidade. Reconhecer que o curso dos acontecimentos é entrecortado pelo intempestivo é um processo doloroso. Compreender ainda que esse curso é interrompido por coisas que estão imersas em uma dimensão sem territórios definidos pode ser avassalador. A peça expõe a crueza do poder financeiro em que o comércio se solidariza com a noção de arte, sendo ambos importantes elementos que fomentam o par vida/morte. Existe um refinado jogo de imagens tensionadas entre o que se apreende com os termos agradecimento e reconhecimento.
Correspondências que ultrapassam os tempos
![Eu é um outro](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2012/08/Eu-é-um-outro_DMV9083-press-590x385.jpg)
A narrativa do espetáculo que está em cartaz no Poeirinha, Eu é um outro, dirigido por Isabel Cavalcanti e com dramaturgia assinada por Pedro Brício, constitui-se de fragmentos que recriam, no palco, a vida particular do poeta francês Artur Rimbaud. Intercalam-se a essas imagens, outros dois episódios que se aproximam do nosso tempo presente, instaurando conflitos que se deixam afetar pelo legado literário do poeta.
Sobreviventes na intermitência da luz
![Breu](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2012/02/Breu-590x391.jpg)
Convencido de que o enigma exigia uma resposta, eu busquei na obscuridade.
(Georges Banu, in Avec Grotowski, 2011, p. 8 )
A peça Breu, em cartaz no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil até março e com direção de Maria Sílvia Siqueira Campos e Miwa Yamagizawa, dá a ver o encontro de duas mulheres em um contexto cotidiano de suas vidas, assoladas de modos distintos, pelas consequências da ditadura militar no Brasil. O texto de Pedro Brício expõe uma perspectiva temporal complexa que sugere indeterminações de passado e presente, configurações de fusões e de repetições que transfiguram um modo de pensar o tempo e, portanto, a história também. A história no caso de Breu é projetada para os espectadores pela vida dos vencidos, pelos pequenos acontecimentos no refúgio da casa, por meio de diálogos quase anódinos e entrecortados de duas personagens que deixam escapar uma tensão provocadora de um latente estado de suspensão que acompanha o que é desconhecido e que está enunciado no título. Essa qualidade de transfiguração de uma noção temporal na dramaturgia revela um autor que se firma por uma escrita elaborada capaz de revelar, sem eloquência, o intempestivo ocasionado por um acontecimento histórico-afetivo, como são todas as investidas de uma ditadura na vida dos indivíduos.