Processos
Um divisor de lodos
Não acredito num teatro em que a poesia é aberta. Prefiro mil vezes que o espetáculo me convide e me instigue a encontrar poesia em meio ao lodo. Ou melhor, em meio ao que o límpido bom senso considera lodo.
Em 1997, quando produzimos nosso o primeiro espetáculo da Vigor Mortis, utilizávamos o universo insano e doentio dos serial killers para falar da necessidade de mudança do status quo. Em 2004, Morgue Story, uma comédia de humor negro regada a sangue e situada num necrotério, falava do medo que todos temos de morrer só. Graphic foi nossa produção de 2007 e em momento algum explicava objetivamente a dificuldade que temos em sustentar nossas escolhas para uma vida que tenta promover o raro encontro entre prática e felicidade. Hitchcock Blonde não falava de cinema, mas sim de desejo, assim como Nervo Craniano Zero abusava de violência explícita para mostrar três personagens que criavam por vaidade e não por ter algo a dizer.
Homem Piano – uma instalação para a memória
Para relatar o processo de criação do espetáculo Homem Piano – uma instalação para a memória é necessário esclarecer (mesmo que rapidamente) os meandros deste longo processo iniciado em 2008 com o Projeto de Pesquisa em Linguagem Cênica Narrativas Urbanas – interferências e contaminações. Na pesquisa inicial os intérpretes da CiaSenhas desenvolveram propostas de criação cênica a partir de um fato real veiculado pela mídia. Minha função era conduzir a pesquisa dos atores e desenvolver a dramaturgia dos projetos individuais. Sem a pretensão de montarmos um espetáculo, o objetivo desta fase era justamente a pesquisa de linguagem – treinos e procedimentos artísticos. Isso quer dizer, determo-nos em um processo de criação compartilhado e colaborativo e nele aprofundar o estudo prático sobre aspectos da narrativa em cena, tendo o ator criador como propositor.
Espaço Outro
Espaço Outro é uma peça de gabinete, processo estranho à maioria dos criadores contemporâneos. A observação do espaço urbano, mais especificamente do centro da cidade, intercalou algumas fases da criação. Os ensaios tomaram pouquíssimo tempo. Foi à base de café que eu, Emanuelle Sotoski e Rubia Romani construímos esta obra.
O primeiro café deste processo foi tomado no Café Fingen, ao lado do Teatro Guaíra de Curitiba, onde o grupo Couve-Flor fazia Infiltrações. Tratava-se de uma intervenção na qual o público recebia por escrito um roteiro de ações executadas pelos artistas em qualquer lugar visível a partir das cadeiras do Café, do balcão à Praça Santos Andrade. Um homem procurava emprego em um jornal do outro lado da rua enquanto uma mulher vestida de verde e com os cabelos molhados pedia sorvete de pistache no balcão; e nós sabíamos antecipadamente que tudo isso aconteceria por causa daquele objeto vidente que havia nos sido entregue. O café trivial tornou-se mágico, todo o ambiente real tomou proporções ficcionais: as pessoas atravessando a faixa de pedestres com o intenso movimento das seis e meia era uma linda coreografia de balé. Junto comigo, estava a Manu, também integrante da ACRUEL.
Dramaturgia em três tempos
O ponto de partida de Louise Valentina foi a sugestão da Simone Spoladore de trabalhar a partir de Valentina, personagem que o quadrinista Italiano Guido Crepax (1933-2003) começou a desenhar em 1965. Eu sabia que Valentina tinha sido criada a partir da personagem Lulu, interpretada pela atriz americana Louise Brooks no filme A Caixa de Pandora (1928), dirigido pelo alemão G.W. Pabst e que se baseia nas peças de Frank Wedekind (1864-1918), Erdgeist (Espírito da Terra, 1895) e Die Büchse der Pandora (A Caixa de Pandora), 1904. Sugeri então que Louise fosse o outro elemento focalizado no processo. Tendo estas duas figuras femininas da cultura pop do século XX como objetos centrais, iniciamos a construção dramatúrgica do espetáculo.
Uma atuação para Mistério Bufo
“Saltimbanco é o termo genérico para malabarista, pelotiqueiro, embusteiro, charlatão, farsante, pregoeiro, arranca-dentes, paradista. (…) O espetáculo dos saltimbancos, na maior parte das vezes, é baseado numa performance física, e não na produção de um sentido textual ou simbólico. Os procedimentos se baseiam numa habilidade física ou burlesca”. (PAVIS: 2005, 349)
Versos da poesia de Vladimir Maiakóvski ecoaram pela Fundição Progresso, Rio de Janeiro, no período de maio a setembro de 2009. Dezesseis intérpretes com características bastante heterogêneas, através da concepção de dois diretores com aspirações artísticas distintas, garantiram a composição do espetáculo Mistério Bufo – obra teatral inédita nos palcos brasileiros. Tal encenação faz parte da pesquisa que desenvolvo no mestrado sob orientação do Prof. Dr. Mário Fernando Bolognesi e co-orientação da Prof. Dra. Maria Thais Lima Santos.