Tag: pedro brício
Uma dramaturgia de instabilidades

Uma das chaves possíveis para analisarmos a estrutura cênico-dramatúrgica do espetáculo Trabalhos de amores quase perdidos, texto e direção de Pedro Brício, é pensá-las a partir de uma série de tensões, relacionadas a instabilidades ou impossibilidades de certas situações engendrados pelo autor, tanto na esfera ficcional quanto na esfera da criação.
Leve tom crítico de uma brincadeira desvairada

Pedro Brício parece mais disposto a brincar do que a fazer uso do tom crítico em Me salve, musical!, mas, apesar disso, distribui, ao longo desse seu novo texto, diversos comentários relacionados a um modo de entender e, por conseguinte, fazer teatro.
Os personagens principais – o casal George Simas e Alma Durán – já evidenciam, de certa maneira, algumas tomadas de posição. Ele é um diretor de musicais que procura copiar o padrão de realização da Broadway, proposta que limita seu alcance artístico. Essa ambição – não exatamente a de copiar, e sim a de atingir o know how dos espetáculos americanos – é externada com frequência por produtores e diretores contemporâneos. Logo no prólogo, George surge em cena lançando uma provocação ao público: diz que o teatro deve ser encarado como uma diversão escapista cujo principal sentido está em propiciar que se esqueça das agruras do dia-a-dia. Alma, em contrapartida, é uma atriz com vocação para a tragédia, dona de personalidade passional, bem menos disposta a fazer concessões.
A artificialidade em questão

O espetáculo Comédia russa, texto de Pedro Brício com direção de João Fonseca, que esteve em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues e faz sua segunda temporada, desta vez no teatro do Centro Cultural da Justiça Federal, até o dia 28 de novembro, se desenvolve a partir da metáfora que explora a comicidade do dia a dia de uma repartição pública, numa Rússia defasada tecnologicamente, encalhada na burocracia e regida pela má vontade do funcionalismo público.
Num primeiro momento da fábula, acompanhamos a trajetória do jovem Alexei (Rodrigo Nogueira) em seu primeiro dia de trabalho, depois de ter passado em segundo lugar no concurso que prestara. A situação de enfrentamento que este estabelece com a secretária Miúcha (Filomena Mancuso), a recepcionista que, antes mesmo de saber que o rapaz será seu colega de trabalho, exige dele uma série de documentos, afim de comprovar realmente se ele é a pessoa que diz ser, já deixa entrever que espécie de jogo cênico os atores vão definir como estrutura fundamental no processo de significação do espetáculo: o jogo que se instaura a partir da artificialidade na relação entre os signos.
Presença que escapa

Em sintonia com uma das principais propostas da Cia. dos Atores, Devassa desponta como uma desconstrução de um texto original – no caso, Lulu, de Franz Wedekind, já transportado para o cinema por G W. Pabst. A diretora Nehle Franke e os atores se preocuparam em entrar em contato com a integridade da obra original antes de dissecá-la em cena. É interessante acompanhar a perseguição dos personagens por uma Lulu, que, mesmo quando parece ter sido dominada, escapa, sempre fugidia, das mãos de seus controladores.
Como se chama ou Por afeto

Uma peça com dois títulos, ou dois títulos colados um no outro: esse é um pressuposto que não pode ser deixado de lado. O título de uma peça não é dado arbitrariamente, ele pode compor o sentido da obra, explicitar algum motivo do processo de trabalho, pode ser um enigma ou só mesmo uma frase de efeito. Colocar dois títulos juntos numa peça me parece ser uma proposta feita ao público a priori: você pode ver desta ou de outra maneira, você pode entender isto ou aquilo. Ou ainda: você pode ver desta e de outra maneira, entender isto e aquilo. O “ou” do título me parece sugerir sobreposições. Ele é um pouco “e”.