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A teoria da vanguarda de Pedro Brício

“Hamm: O fim está no começo. E, no entanto, continua-se.”
Samuel Beckett, Fim de partida
A outra cidade como Bildungsroman
Um verdadeiro Bildungsroman. A estrutura de A outra cidade parece clara. Valentín, 14 anos, precisa crescer, amadurecer, sair da sua pequena cidade-natal (tanto geográfica quanto psíquica) e ir para a cidade grande, isto é, para outro lugar, outra cidade. O problema é que, como nos romances de formação tradicionais, o amadurecimento exige uma série de renúncias pulsionais. É preciso trocar o mundo das fantasias infantis – mundo em que as possibilidades de ser parecem sempre ilimitadas, em que o fim das histórias permanece sempre aberto – por um outro mundo feito de escolhas, concessões às demandas do Outro e, portanto, perdas. Ou ganhos, dependendo do ponto de vista. Em todo caso, a auto-determinação implica necessariamente uma auto-limitação. Só é possível ser alguma coisa quando se abre mão de ser tudo, isto é, de ser qualquer coisa.
Uma experiência do tempo, do espaço e da visão

Assistir a um espetáculo como Marcha para Zenturo é poder dizer que partilhamos de uma experiência teatral que aborda uma das questões mais caras ao drama: a do tempo. Não que essa peça seja um modelo perfeito do drama mais convencional, como os modelos que podemos destacar em Henrik Ibsen ou Anton Tchekov, mesmo que nos dois autores a crise da forma dramática já esteja instaurada e embora possamos perceber a maestria dramatúrgica que chega a velar essa crise, sabemos que suas escritas não procuram seguir à risca o modelo de pièce-bien-faite do drama clássico. O que a dramaturgia e a cena de Marcha para Zenturo apresentam são indícios de uma estrutura dramática no seu sentido mais singular, que pode ser exemplificada por Peter Szondi no livro Teoria do drama moderno: uma espécie de corte na cronologia, o domínio absoluto do diálogo intersubjetivo e o passado que se irrompe no presente dos diálogos ou aparece atualizado como próprio tema. É o caso da peça do Grupo XIX de Teatro e do Espanca!, duas importantes companhias do cenário teatral paulista e mineiro que se uniram para realizar um espetáculo onde o tempo (passado, presente e futuro conjugados de forma simbiótica), o “ver o outro” (a experiência do olhar o outro e ver a si) e uma melancolia que beira uma renúncia da vida (como aqueles personagens de Tchekhov) são questões primordiais para o que propõem em cena nesse belo espetáculo.