Tag: Isabel Penoni

Um deslocamento do comum para o incomum

3 de dezembro de 2020 Críticas

No Brasil foram destruídos os documentos da época da escravidão, impossibilitando que as pessoas negras identificassem a sua origem. Desde a escravização, os negros e negras têm sido contados (as) ao invés de contarem a sua própria história. O protagonismo negro na sua própria narrativa é uma possibilidade recente, fruto dos movimentos negros que se reorganizaram na década de 1970 no Brasil, repercutindo artística e culturalmente quando poéticas e estéticas negras foram reconstruídas. Era preciso entender a história para resistir a ela e construir o novo, algo fundamental para a população negra. Contar a versão de si mesmos, que remete ao lema popular negro “nós por nós”, é uma forma de escurecer o futuro. Contar a sua própria história é tornar-se sujeito, fazer jus a um locus social, além de ser uma poderosa maneira de decolonizar os corpos imagética e ideologicamente. “É por aí que o discurso ideológico se faz presente. Já a memória a gente considera como o não saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção” (RATTS, RIOS, 2010. p.74). Ou então precisa tornar a ficção mais real.

A Onda

24 de dezembro de 2015 Críticas

Vol. VIII n° 66 dezembro de 2015 :: Baixar edição completa em pdf

Resumo: O texto apresenta algumas indicações de análise sobre a encenação em descompasso com o texto dramático a partir da peça Eles não usam tênis naique. A chave de análise do artigo, para além do interesse nos impasses da representação cênica, também se dirige para os impasses de representação política.

Palavras-chave: Política, representação, teatro, trágico.

Resumen: El artículo presenta el análisis sobre la representación con el texto dramático de la obra Eles não usam tênis naique. El artículo analiza impasses en la representación escénica y también se dirige al impasse de la representación política.

Palabras claves: Politica, representación, teatro, trágico.

 

Eu confesso: eu

Não tenho esperança.

Os cegos falam de uma saída. Eu

Vejo.

Após os erros terem sido usados

Como última companhia, à nossa frente

Senta-se o Nada.

O nascido depois, Bertolt Brecht

 

Em 1830, Katsushika Hokusai publicou uma de suas xilogravuras mais famosas, A grande onda de Kanagawa. A força da natureza é composta pela suspensão da onda que, como com garras, ameaça frágeis pescadores; no fundo da cena o monte Fuji, símbolo do Japão. A obra pertence a uma série de gravuras em madeira dedicada ao vulcão e encarna pela representação do mar, da terra, do fogo, elementos da alma nipônica. A harmonia entre as cores, a simetria do desenho, o Fuji integrado ao mar assim como os pescadores, suaviza sua fúria, ainda que a sensação do momento seguinte, aquele que escapa à representação, permaneça, paradoxalmente, no horizonte de expectativas. A estampa faz parte de um período nas artes da gravura conhecido como ukiyo-ê ou pinturas do mundo flutuante. Segundo Madalena Hashimoto Cordaro, as pinturas ficaram conhecidas no Ocidente pela repercussão em países como França e Inglaterra e compreenderam um período de fechamento das fronteiras japonesas, em uma era dominada pelos samurais, daí a referência a Era Tokugawa, centrado na cidade de Edo, entre os séculos XVII e XIX. O governo central promoveu certa estabilidade política contrastado a um passado de guerras; nesse momento a positivação da efemeridade assemelhava-se ao carpe diem. O ideograma de ukiyo-ê era, entretanto, recorrente há pelo menos três séculos e possuia um sentido diverso: que miserável, que triste é este mundo efêmero

Trem para alargamento do horizonte

31 de março de 2014 Críticas
Em São Cristovão. Foto: Renato Mangolin.

“Daqui vê-se o morro”, disse ela. “É lindo”, disse ela. Os ponteiros do relógio tinham sido esquecidos na vida digital onde os tempos confluem, não era certo ser agora ou um pouco depois, embora fosse tarde, calor, verão e suor. O lugar era uma estação de trem: Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil. O lugar era feito de gente pegando trens e no meio dessa gente a menina que olhou para mim e disse: “Daqui vê-se a morro, é lindo”. Fiquei sem saber o que dizer. Com o olhar na imensa plataforma de concreto e bem por baixo do meu nariz, havia uma interminável favela, terror de pedra quebrada, lagos de mijo, árvores de lixo, correntes de corpos quase invisíveis. Afinal era uma questão de perspectiva. A menina com os olhos postos no horizonte, um pouquinho acima, ali onde pairava a beleza da cidade, o morro e a distância que torna tudo imponente e eu com o olhar um pouquinho abaixo, abaixo da linha do horizonte, ali onde se perturba a vista com desolação. De repente, uma memória distante das esculturas de Giacometti, pois se o Giacometti aqui estivesse, tinha-se apaixonado pelas pessoas pequeninas de silhuetas em forma de alfinete que vasculham no lixo, aquelas pessoas que carregam o lado avesso do Rio de Janeiro. Respondi: “é lindo”. Tão lindo que dói. Era um lugar cheio de lugares dentro.

(17h30, 22 fevereiro de 2014, estação Manguinhos, depois de assistir In-Trânsito)

A cena invisível

28 de abril de 2013 Críticas
Foto: Divulgação.

In_trânsito confronta o público com uma aparente ausência da cena. Esse projeto itinerante viabilizado em trens da Central do Brasil e nas estações de Manguinhos, Triagem e Bonsucesso não é “simplesmente” estruturado a partir da realização de cenas em espaços não-convencionais. Existe uma notada intenção de valorizar a escuta em detrimento da visão e, desse modo, investir na imaginação da plateia.

Um trabalho fundamentado no ator, nos espaços e nas relações

17 de maio de 2012 Conversas
Foto do espetáculo Ô Lili: Divulgação.

DINAH CESARE: O trabalho da Cia Marginal se diferencia de algumas outras experiências de teatro em projetos sociais. Qual seria o elemento diferenciador neste caso?

ISABEL PENONI: Eu acho que tem uma coisa que é definidora no caso da Cia Marginal desde o início, ainda quando a gente trabalhava dentro de uma estrutura de financiamento social, nós já tínhamos a pretensão da realizar um trabalho de criação. Eu digo nós, por que éramos eu e a Joana Levi. Um projeto de criação, de experimentação, de pesquisa, de criar em um contexto diferente daquele que a gente vinha criando. Eu trabalhava como atriz, então experimentar era levar à frente um trabalho de criação dentro de um contexto bastante diferente do nosso. Já existia esta pretensão desde o inicio, mesmo dentro dos projetos sociais e mesmo tendo uma perspectiva um pouco mais pedagógica. Porque nós estávamos dentro do universo da arte educação, mas naquele espaço importava a ideia de criação. O trabalho chegou num ponto em que ele não aprofundava mais porque existia uma estrutura de oficina, de entra e sai de gente. Porém, existia um grupo que era constante e uma qualidade de trabalho com aquele grupo. Mas ele não avançava porque tinha sempre gente entrando e saindo e a “coisa” tinha sempre que começar do zero com novas pessoas. Então a partir de um momento nós resolvemos fechar o grupo. Na verdade eu acho que a transição foi de estrutura, de formato e não do que se fazia ali dentro. Superamos um formato de oficina, de projeto social para grupo de teatro. Essa é a mudança maior, definidora e divisora de águas ali.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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