A cena invisível

Crítica da montagem de In_trânsito, da Cia. Marginal

28 de abril de 2013 Críticas
Foto: Divulgação.

In_trânsito confronta o público com uma aparente ausência da cena. Esse projeto itinerante viabilizado em trens da Central do Brasil e nas estações de Manguinhos, Triagem e Bonsucesso não é “simplesmente” estruturado a partir da realização de cenas em espaços não-convencionais. Existe uma notada intenção de valorizar a escuta em detrimento da visão e, desse modo, investir na imaginação da plateia.

Para tanto, as diretoras Joana Levi (idealizadora do projeto) e Isabel Penoni (parceira de criação, ao lado de Rosyane Trotta, da Cia. Marginal, do Complexo da Maré, nas montagens de Qual é a nossa cara? e Ô, Lili) se valem de variados procedimentos. Durante quase toda a travessia, da Central até Bonsucesso, os espectadores ficam de olhos vendados e recebem como estímulos sonoridades referentes ao movimento interno do vagão. Numa das estações, são acomodados em tendas e, de dentro delas, ouvem as vozes dos atores sem, porém, terem acesso às cenas propriamente ditas. Em outra estação, espalham-se sobre a plataforma e escutam, em fones, um áudio ao longo de alguns minutos (que o espectador deve baixar no site do espetáculo antes de seguir para a jornada de In_trânsito), experiência sonora que forma uma espessura com a panorâmica da cidade descortinada à frente.

Em mais um momento, atores e, eventualmente, espectadores descrevem as pessoas localizadas em outra plataforma, enquanto aguardam o trem, ao mesmo tempo em que inventam circunstâncias para a vida de cada uma delas, operação que sublinha a fusão entre o real e o ficcional. A encenação também procura inserir o transeunte no acontecimento teatral, estimular a sua participação, por mais que atores e espectadores (os que se colocam dessa maneira e os acidentais) permaneçam em esferas necessariamente distintas.

Até certo ponto devido à natureza da proposta, In_trânsito é um trabalho de fluxo interrompido, no qual a “ação” é retomada após determinados vazios não preenchidos (a espera pela saída do trem, quando o público já está disposto dentro do vagão, por exemplo). Mas uma natural dispersão não justifica totalmente a dificuldade em estabelecer conexão entre a Odisseia, de Homero, e o cotidiano do trabalhador contemporâneo em espaços de passagem. O elo dramatúrgico resulta nebuloso ou bastante frágil quando a contundência do discurso em relação à cidade e ao mundo de hoje se impõe.

Em todo caso, In_Trânsito representa a continuidade do promissor percurso da Cia. Marginal que, há poucos anos, mostrou uma encenação madura, Ô, Lili, na qual era possível detectar, além da solidez da cena e da dramaturgia, apreciável domínio dos atores acerca de suas presenças no palco. Agora, ainda que as atuações não despontem com tamanha força por causa das exigências decorrentes da engenharia de produção, o elenco revela habilidade para lidar com os desafios dessa intervenção urbana.

Daniel Schenker é doutorando da UNIRIO.

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