Tag: teatro na pandemia

O teatro, sob muitos cuidados e em pleno movimento

5 de setembro de 2021 Críticas

É só uma história, um recorte de um dia na vida de uma família: o aniversário de um rapaz que está em uma cadeira de rodas, uma condição irreversível que sua mãe tem muita resistência em admitir. Ao longo desse dia, vários personagens aparecem, tanto aqueles que vivem na mesma casa, quanto os que vieram para o aniversário. Meu filho só anda um pouco mais lento, peça do dramaturgo croata Ivor Martinić, apresenta uma narrativa despretensiosa, sem sobressaltos aparentes. Um panorama. Muitos detalhes por imaginar. No elenco, Antonio Pitanga, Camila Moura, Elisa Lucinda, Enrique Diaz, Felipe Frazão, Hypólito, Leandro Santanna, Maria Esmeralda Forte, Simone Mazzer e Verônica Rocha.

A escolha feita pelo diretor Rodrigo Portella no contexto da pandemia e nas instalações do Oi Futuro, centro cultural que sedia e patrocina a obra, é bastante particular. Um projeto de teatro que não se materializa em um formato imediatamente reconhecível como teatro. Em uma sala de exposições, pouco mais de vinte televisores estão espalhados em um labirinto montado com telas pretas translúcidas que pendem do teto. Nos televisores, as cenas da peça, com fotografia e montagem de Pedro Murad, umas gravadas no teatro, com elementos de cena característicos do teatro, outras gravadas em espaços externos, em que se estabelecem outras relações entre as diversas personagens. Cada espectador escolhe se quer ver as cenas na ordem em que aparecem originalmente no texto, se seguem roteiros sugeridos ao fim de cada vídeo, ou ainda se querem entrar no modo aleatório. Em outra sala, que pode ser visitada antes ou depois do percurso pela narrativa, há retratos das personagens em vídeo, projetados nas paredes.

Circuitos virtuais pretos

19 de outubro de 2020 Estudos

Quais são os monumentos que devemos derrubar no teatro? Essa foi uma pergunta enunciada por Grace Passô durante uma live do projeto Perspectivas 20, organizada pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP). Na ocasião, influenciada pela derrubada de estátuas realizadas por manifestantes de diferentes países do Ocidente, que foram às ruas contra a violência racial, policial e em protesto ao assassinato de George Floyd, a reflexão se rearticulou dentro do campo e da linguagem teatral, a partir de uma primeira associação feita por Passô, apontando que ações como essa levam a público o debate sobre as disputas de narrativa.

Casa e teatro de objetos: intimidade do espaço doméstico em tempos de distanciamento

22 de julho de 2020 Traduções

 

Tradução de Gyl Giffony e Yenny Agudelo

Parece que enquanto passam estes dias sem podermos pôr o corpo no espaço público, a ordem de nossas casas tende a ficar desnaturalizada. Como se o excesso de presença  devolvesse uma certa intimidade perdida ao lugar no qual sonhamos. Recebi uma fotografia de uns amigos que vivem com três filhos num apartamento pequeno. Na imagem vê-se a família cercada por uma muralha de móveis virados de cabeça para baixo com vários lençóis colocados em cima, como cúpulas de um acampamento coletivo. Era a primeira vez que tinham tido tempo para deixar que um jogo de apaches subvertesse o controle das disposições na sala, tempo para que o verbo “mobiliar” deixasse de ser um regulador congruente de atividades programadas e se tornasse um processo gradual de “desmobiliamento”. Uma morfologia de protesto que já não impedia materializar os sonhos no centro vital do lugar. O casal me contou que pararam de resistir à casa que as crianças desejavam e se deixaram possuir pelos potenciais imaginários, para libertá-las (e se libertar) o máximo possível do sentimento de isolamento e do confinamento do mundo televisivo e digital. Do apartamento derivou outro mapa sensível de si mesmo: a mesa foi uma fortaleza de revoluções vencidas, as camas, naves para fugir da terra, os armários, catacumbas de países antigos, e as colheres, seres que escutam e respiram cada vez que as levamos até a boca.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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