Tradução de Gyl Giffony e Yenny Agudelo

Parece que enquanto passam estes dias sem podermos pôr o corpo no espaço público, a ordem de nossas casas tende a ficar desnaturalizada. Como se o excesso de presença  devolvesse uma certa intimidade perdida ao lugar no qual sonhamos. Recebi uma fotografia de uns amigos que vivem com três filhos num apartamento pequeno. Na imagem vê-se a família cercada por uma muralha de móveis virados de cabeça para baixo com vários lençóis colocados em cima, como cúpulas de um acampamento coletivo. Era a primeira vez que tinham tido tempo para deixar que um jogo de apaches subvertesse o controle das disposições na sala, tempo para que o verbo “mobiliar” deixasse de ser um regulador congruente de atividades programadas e se tornasse um processo gradual de “desmobiliamento”. Uma morfologia de protesto que já não impedia materializar os sonhos no centro vital do lugar. O casal me contou que pararam de resistir à casa que as crianças desejavam e se deixaram possuir pelos potenciais imaginários, para libertá-las (e se libertar) o máximo possível do sentimento de isolamento e do confinamento do mundo televisivo e digital. Do apartamento derivou outro mapa sensível de si mesmo: a mesa foi uma fortaleza de revoluções vencidas, as camas, naves para fugir da terra, os armários, catacumbas de países antigos, e as colheres, seres que escutam e respiram cada vez que as levamos até a boca.