Tag: hamlet
O recurso
Uma pessoa que frequenta teatro regularmente pode pensar que já conhece Hamlet. Uma pessoa que frequenta teatro regularmente há décadas pode dizer que já viu muitos Hamlets. Essa pessoa também pode pensar que tudo já foi dito e elaborado sobre essa peça, inclusive no cinema. É possível pensar que a mais conhecida das obras de Shakespeare é sobre um príncipe melancólico, sobre um reino em que há algo de podre (uma redundância), sobre disputas de poder, sobre amor, traição, engano e ambição. Sobre o fardo de carregar um legado. Sobre não ter certeza de qual é o seu papel no mundo. Sobre estar só e não poder confiar em (quase) ninguém. Sobre tudo isso junto. Mas eu acho mesmo que Hamlet é uma peça sobre o teatro – e não estou sozinha nessa, obviamente.
O fantasma do teatro
Durante as primeiras semanas de isolamento social devido à pandemia da COVID-19, alguns artistas e grupos de teatro começaram a divulgar links para os registros em vídeo dos seus espetáculos. Canais de grupos e sites de streaming abriram seus acervos. Alguns registros históricos, que já estavam online antes, começaram a aparecer nas redes sociais. Foi neste contexto que assisti a uma gravação de Hamlet, encenação de Elizabeth LeCompte, do The Wooster Group, de Nova York, que neste texto tomo como paradigma para pensar sobre registros de espetáculos de teatro em vídeo no momento em que estamos vivendo. O registro foi feito em 2013, no Festival de Edimburgo, por Zbigniew Bzymek e Juliet Lashinsky-Revene. A cada semana, o grupo disponibiliza uma peça no seu site. Depois de Hamlet, já assisti a Face Up!, a partir de As três irmãs, e Rumstick Road, um incrível trabalho de reconstituição de uma peça autobiográfica de Spalding Gray de 1977. O grupo sabe o valor do seus arquivos e eventualmente oferece projeções do seu repertório em vídeo na sua sede e outros lugares. Também tive oportunidade de ver alguns espetáculos pelo International Online Theatre Festival, embora os horários dos espetáculos sejam péssimos para quem mora em um fuso horário muito diferente do que é tomado como padrão.
Imagens de dissociação
Vol. VIII n° 66 dezembro de 2015 :: Baixar edição completa em pdf
Resumo: Esse estudo analisa proposições de imagens cênicas de “dissociação” a partir da peça 4.48 Psychosis (Psicose 4.48) de Sarah Kane, da montagem de Hamlet pelo Wooster Group, e da peça Hotel Methuselah do grupo Imitating the Dog.
Palavras chaves: Forma, Sarah Kane, Wooster Group, Imitating the Dog, Shakespeare
Abstract: This article analyses the theatrical images of “dissociation” proposed on Sarah Kane’s play 4.48 Psychosis, The Wooster Group staging of Hamlet and Imitating the Dog’s play, Hotel Methuselah.
Keywords: Form, Sarah Kane, Wooster Group, Imitating the Dog, Shakespeare
“Viver é defender uma forma” – Fredrich Hölderlin
A desvinculação aparece como um sintoma na obra da autora inglesa Sarah Kane, um mote recorrente que endereça experiências limítrofes, rupturas violentas com o “mundo” (ou com o “mundo” conforme o conhecido até então). Trata-se de questões que emergem em sistemas de representações artísticas diversos. Porém, obras e olhares que investigam as fronteiras da existência, como estas que examinam a sensação aguda de desvinculação, isolamento, dissociação, desdobram-se numa equação muito específica quando usam o teatro como campo de expressão. O teatro, essa arte relacional e presencial (mesmo quando se trata de presenças em crise), tensiona em sua especificidade este sintoma irresoluto da desvinculação. O esgarçamento do mote em sua forma teatral (antes mesmo de qualquer operação ligada a procedimento técnico) está na demanda desta arte de uma vivência coletiva, ou, no seu mínimo, na conexão com outro alguém presente.
Todo mundo morre no final
De Wroclaw, Polônia
Na pequena cidade de Worclaw, no interior da Polônia, aconteceu o Festival Internacional de Teatro The World As A Place Of Truth organizado pelo The Grotowski Institute. Durante todo o mês de junho grandes nomes do teatro contemporâneo intercambiaram seus trabalhos para uma plateia quase toda formada pelos próprios atores que se apresentavam no festival. A primeira semana foi dedicada a Eugenio Barba e seu último trabalho: Ur-Hamlet.
A peça foi montada no pátio da antiga arcádia da cidade que guarda a arquitetura de um pequeno forte com enormes portões de madeira e paredes de tijolos. Utilizando diferentes estilos de teatro ritual, Barba monta de fato um ambiente que invoca o clima de uma cerimônia. A peça foge da representatividade e do conceito textocêntrico, falando diretamente ao centro dos sentidos, ao sistema nervoso. Os espectadores participam desse ritual antropológico.
Um Hamlet em sintonia com o teatro de hoje
Hamlet, a mais célebre tragédia de William Shakespeare, é um veículo privilegiado para o diretor Aderbal Freire-Filho lançar questões bastante pertinentes em relação ao teatro contemporâneo. Esta perspectiva desponta, sobretudo, na passagem em que o personagem-título faz uma série de indicações aos atores de sua peça.