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Arquivo inventado e a cena como máquina do tempo em Cancioneiro Terminal
Olhando agora essas imagens pensamos que elas, assim como as legendas,
serão sempre insuficientes. Esse é o filme que conseguimos fazer.
(créditos de abertura da performance-filme Cancioneiro Terminal)
Praça da República, São Paulo. Sexta-feira, 13 de março de 2020. Caminhava sozinho em direção à Biblioteca Mário de Andrade, para assistir à apresentação de Cancioneiro Terminal, quando as mensagens de fechamento dos equipamentos culturais por motivos de segurança sanitária começaram a chegar pelo telefone. Pairava entre nós certa aflição e desconfiança diante dos noticiários que ao longo de todo o verão atualizavam a elevada taxa de mortalidade na Europa. Àquela altura ainda não havia sido notificada nenhuma morte por COVID-19 no Brasil e constavam apenas 107 casos confirmados de infecção pela doença. Esse percurso a pé até o teatro estabelecia na vida daquele coletivo artístico e daqueles espectadores (eu incluso), sem que soubessem, o início exato do primeiro confinamento no país e da modulação de diversas práticas de convivência, dentre elas, as artes da cena.
O fantasma do teatro
Durante as primeiras semanas de isolamento social devido à pandemia da COVID-19, alguns artistas e grupos de teatro começaram a divulgar links para os registros em vídeo dos seus espetáculos. Canais de grupos e sites de streaming abriram seus acervos. Alguns registros históricos, que já estavam online antes, começaram a aparecer nas redes sociais. Foi neste contexto que assisti a uma gravação de Hamlet, encenação de Elizabeth LeCompte, do The Wooster Group, de Nova York, que neste texto tomo como paradigma para pensar sobre registros de espetáculos de teatro em vídeo no momento em que estamos vivendo. O registro foi feito em 2013, no Festival de Edimburgo, por Zbigniew Bzymek e Juliet Lashinsky-Revene. A cada semana, o grupo disponibiliza uma peça no seu site. Depois de Hamlet, já assisti a Face Up!, a partir de As três irmãs, e Rumstick Road, um incrível trabalho de reconstituição de uma peça autobiográfica de Spalding Gray de 1977. O grupo sabe o valor do seus arquivos e eventualmente oferece projeções do seu repertório em vídeo na sua sede e outros lugares. Também tive oportunidade de ver alguns espetáculos pelo International Online Theatre Festival, embora os horários dos espetáculos sejam péssimos para quem mora em um fuso horário muito diferente do que é tomado como padrão.