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O lúdico no teatro

Ao entrar no Espaço Arena do Sesc Copacabana, a primeira sensação captada pelos sentidos é a de um universo lúdico que seria ali instalado pelo jogo da encenação. O cenário é uma caixa de vidro (onde os personagens atuam) que contém três cadeiras simples e antigas, retratos envelhecidos, chão de taco de madeira amarelado pelo tempo, uma parede forrada por um tecido de pelúcia ocre intenso e peculiar, uma luz baixa e também amarelada. A primeira sensação é de uma peça onde o que se contaria seria uma história de gente simples, que habita o interior, o vilarejo, a zona rural. A cor que ressalta aos olhos durante a encenação toda é de uma espécie de sépia, aquele matiz que remete às fotos de antepassados, às lembranças distantes, à memória. A ambiência é revestida por uma luz baixa, macia, aconchegante.
É preciso pedir licença

Nos primeiros minutos do espetáculo Só cheira borracha, da Companhia de Teatro Kudumba, de Moçambique, em cartaz nessa 3ª edição do Festlip 2010, ouve-se uma voz feminina narrando em off, antes do desenrolar da ação, que, em sua terra natal, é habito dos moradores pedir licença para entrar em determinada tribo e outros espaços privados. Ao dar início à reflexão desta montagem, que fez duas apresentações no Teatro Nelson Rodrigues, inauguramos com esse texto uma escrita em diálogo, perseguindo a possibilidade de lidar com diferentes modos de recepção de uma obra teatral. Uma das mais provocativas questões para a crítica é a de conversar com a recepção do público, percebida durante a apresentação do espetáculo. Os estudos sobre estética da recepção se encontram mais desenvolvidos no gênero literário e, se podemos compreender contemporaneamente a recepção de uma platéia com a noção de leitura, é possível realizarmos associações com a teoria. Portanto, trata-se aqui de uma experiência de formalização da investigação do entrecruzamento de diferentes perspectivas.
Criação de um tempo anacrônico

A terceira edição do FESTLIP trouxe ao Teatro Nelson Rodrigues o espetáculo Ferro em brasa encenado pela companhia paulista Os Fofos Encenam que foi formada em 1992 a partir das atividades curriculares no curso de Artes Cênicas da Unicamp. O fundamento da pesquisa estava enraizado, desde o início, nas manifestações de arte popular. Em 2003 o grupo passa a investigar a estética do circo-teatro encenando A mulher do trem; Assombrações do Recife Velho, em 2005, e Ferro em brasa, em 2006. A encenação em cartaz neste Festlip, portanto, resulta de um tempo de experiência que o teatro de repertório possibilita. No caso de Ferro em brasa, essa experiência constituiu uma materialidade apurada construída pela pesquisa dramatúrgica, pela pesquisa visual, pelo trabalho vocal e pela criação de um campo de tensionamento que raramente temos a oportunidade de vivenciar na maior parte dos espetáculos, por assim dizer, populares que transitam no panorama teatral carioca.
Sombra

Texto publicado originalmente na Revista Obscena, nº6, pp. 75,76
Vejamos Os vivos em linha com Morcegos (2006) e mesmo com Ensaio sobre a cegueira (2005). Em comum, a origem dialógica dos textos, que subsiste parcial ou completamente na adaptação dramatúrgica; a impressão da marca urbana, onde a estranheza e a excepção se instalam e progridem; a cenografia representativa, quase figurativa, onde, no entanto, se mantém o exercício de dramatografia de João Brites (uma visão dramatúrgica da cenografia, uma leitura cenográfica do texto).
Niilismo cômico
A trama da peça O Doido e a Morte, texto de Raul Brandão encenado pelo Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, de Cabo Verde, parece fácil de ser descrita: um doido entra no gabinete do governador com uma bomba. O modo como os personagens lidam com essa situação revela uma sátira cheia de espirituosidade e dotada de um estilo bem humorado de ver a vida através da morte.
Aos poucos, três elementos se revelam e se mostram relacionados sob duas forças, dois movimentos distintos. O primeiro elemento é composto por dois artifícios: uma grande tela branca ao fundo do cenário, que assume cores marcantes com a luz e que vai acompanhando as mudanças de tons do espetáculo; junto com efeitos sonoros que dão máxima expressão a pequenos detalhes. Essa sonoplastia ressalta especialmente os movimentos mímicos. A tela não é bem um pano de fundo: os poucos objetos que compõem o cenário são transparentes ou vazados, de forma a sempre incorporar a cor que irradia de trás e que se torna dominante na cena.