Não é monopólio brechtiano o conceito e emprego artístico do Verfremdungseffekt. O efeito de distanciamento ou estranhamento vigora no cerne do programa formalista (russo), e, segundo Anatol Rosenfeld, fora já meditado pelos clássicos Racine e Schiller (1). Sujeito aos propósitos de cada época e de cada pensador – singularizar a percepção, desmontar um mecanismo ideológico etc –, o efeito de estranhamento está presente também no teatro de Samuel Beckett. O escopo deste ensaio, porém, é refletir não apenas sobre o Verfremdungseffekt beckettiano, mas também sobre um outro tipo de efeito, contrário àquele, encontrado sobretudo nas peças tardias deste autor e que se pode chamar de efeito de imersão.

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Detecta-se em textos como Esperando Godot (1952), Dias Felizes (1961), Comédia (1962) e Eu Não (1973), senão uma quebra explícita da quarta-parede, pelo menos um desconcertante revelar-se da plateia para o palco. Os personagens – e não os atores – entrevêem (ou muito rapidamente ou intermitentemente e de modo difuso) a plateia. Estes momentos de (quase) descoberta perturbam o fluxo dramático, pois rompem o ilusionismo, criando um mal estar que se impõe como exigência de reflexão.