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A questão da identificação e da presença
“Comprometer-se com um relacionamento, irrelevante ao longo prazo, é uma faca de dois gumes. Faz com que manter ou confiscar o investimento seja uma questão de cálculo e decisão.”
Zygmunt Bauman em Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos
O espetáculo Histórias de Amor Líquido é constituído por três tramas paralelas, organizadas de maneira fragmentada. O autor Walter Daguerre baseou-se, como fonte de inspiração fundamental para constituir sua dramaturgia, na obra do sociólogo polonês Zgymunt Bauman, em especial no estudo intitulado Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Desta maneira, opera-se no espaço cênico do Teatro Poeira, sob a batuta do diretor Paulo José, um sistema de procedimentos criativos em que situações fabulares, vivenciados por sujeitos ficcionais problematizados em sua individualidade e em graus variados de complexificação, são elaborados pelo autor do texto teatral numa aproximação com dados e conceitos apontados por Bauman na sua tese. O sociólogo discorre sobre visíveis mudanças nos relacionamentos afetivos instaurados pela pós-modernidade líquida (metáfora que muito vem a calhar e que se contrapõe à era das ideologias sólidas dos séculos passados) nas últimas décadas, provocando efeitos singulares no atual modo de pensar e agir com o próximo na contemporaneidade.
Elogio à alteridade
O texto de Adriano Shaplin utiliza uma fórmula de ação comum ao gosto da cultura norte-americana acostumada com as tramas Hollywoodianas, porém é contra a formação destas que ele constrói sua denúncia. É transparente na peça a raiva que o inspirou a escrever sobre o casamento da mídia Americana com a política militar de intervenção externa do governo Regan-Bush, criando imagens que pudessem ser mobilizadas para produzir a aprovação das guerras deste governo. Segundo o autor, a peça também pode ser vista como uma comédia, já que ele usa a caricatura para ressaltar os valores que considera corrompidos. Furiosamente inspirado na guerra do Iraque, iniciada em 2003, Shaplin recorre à realidade dos mariners para contar sua estória.
Memória afetiva de um amor esquecido
A pesquisa teórica para esse espetáculo, inspirado no filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, de Michel Gondry e, também, no universo cinematográfico do roteirista Charlie Kaufman, partiu da análise dos conceitos de identidade e de memória.
Para os filósofos empiristas ingleses do século XVIII, é a prática do diálogo interno o que garante, para nós mesmos, que somos unos e portadores de uma determinada identidade. E essa crença, segundo eles, é fundamental para que não percamos, a cada momento, nossas referências. Essa prática, portanto, seria a responsável pela manutenção de nossa sensação de identidade. Outra forma de garantir coerência para o eu, ainda segundo os empiristas, seria a da associação de idéias, onde a noção de causalidade imprimiria ordem e regularidade ao fluxo mental e permitiria que, a despeito da variedade e do movimento que caracteriza esse fluxo, ele seja percebido como simples e contínuo. Em outras palavras, somos mudança e movimento e temos que permanecer os mesmos.