A tragédia do olhar

Crítica da peça Equus, de Peter Shaffer, com direção de Alexandre Reinecke

28 de abril de 2012 Críticas
Foto: Divulgação.

Através de um personagem como o atormentado Alan Strung, o dramaturgo Peter Shaffer destaca, em Equus, a dificuldade de ser ou se sentir visto. Vítima de uma educação repressora, Alan, jovem de 20 anos, tem fascínio e horror pelos olhos dos cavalos porque se reconhece neles. É o que argumenta no instante em que o psiquiatra Martin Dysart pergunta sobre o motivo que o levou a cometer a atrocidade de cegar seis animais com um estilete de metal. Depois de iniciar tratamento com o Dysart, Alan passa a entregar fitas com os seus “depoimentos” devido, provavelmente, ao caráter de desvendamento íntimo que o vínculo entre médico e paciente adquire. O impacto desse contato também reverbera em Dysart, que, mergulhado num casamento burocrático, revela incômodo crescente com a intensidade da vibração de Alan. Aos poucos, Dysart se torna um espectador (ativo) da história descortinada por Alan. Há ainda outros sinais no texto que evidenciam a força do olhar: a mãe de Alan diz para Dysart que o filho a agride com os olhos; a nova amiga/namorada do rapaz o convida para assistir a um filme erótico e no cinema ele se depara com o próprio pai, flagrante, porém, que o faz enxergar o contexto familiar de maneira mais compreensiva.

A encenação de Alexandre Reinecke (apresentada na última edição do Festival de Curitiba) parece valorizar a questão do olhar como possível espinha dorsal da peça, tanto através de determinadas marcações (Dysart falando de frente para o público) quanto, em especial, do cenário (assinado por André Cortez). A estrutura cenográfica, que lembra vagões ou cabines interligadas, se constitui, em alguns momentos, como proposital interferência ao olhar do espectador. Os atores, em dados instantes, contracenam a uma certa distância, separados por obstáculos. Reinecke e Cortez investem ainda na percepção do espectador ao dotarem os objetos de cena de significados diversos. Os elementos evocam ambientes, desprendendo-se de seus sentidos literais e de um caráter ilustrativo em relação ao texto. A iluminação de Paulo Cesar Medeiros contrasta tons frios com o impacto do vermelho e potencializa o mergulho na conturbada subjetividade de Alan. Os figurinos de Renata Young são adequados, informando sobre o padrão social e a personalidade de cada personagem.

Os atores demonstram dificuldade em encontrar um equilíbrio na transmissão das emoções dos personagens principais. Há uma tendência em apostar na contundência. Elias Andreato projeta exteriormente o assombro de Martin Dysart diante de Alan, problema que o ator controla, em parte, no decorrer do espetáculo. Leonardo Miggiorin tenta dimensionar o desespero de Alan, mas incorre numa entrega visceral algo postiça. Nos demais personagens, Patricia Gasppar se destaca como a mãe de Alan, principalmente na cena de confronto com Dysart.

Daniel Schenker é doutorando da UniRio e crítico de teatro do Jornal do Commercio e da Isto É / Gente.

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