Autor Edelcio Mostaço
Castellucci e o juízo de deus
![Sobre o conceito da face no filho de Deus](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2013/10/castellucci3A-590x393.jpg)
A cena é uma porrada. Desferida bem no centro do rosto, naquele ponto entre os olhos que os místicos costumam julgar como do terceiro olho. O espectador fica aturdido, sem respiração, ao final dos sessenta minutos de Sobre o conceito da face no filho de Deus, uma das emblemáticas encenações de Romeo Castellucci para a Societas Raffaello Sanzio (2010) apresentada como atração maior da vigésima edição do Porto Alegre em Cena.
Como outras criações da companhia, também essa coloca em cena não um mero jogo teatral, mas um teorema ontológico complexo, cuja substância conceitual deve ser perquirida pelo espectador. São apenas três cenas: na primeira, a mais longa, um filho dedicado cuida de um pai decrépito que se desfaz em fezes; na segunda, crianças jogam granadas contra a figura de Cristo; e a derradeira, quando essa mesma figura se auto dissolve.
Por onde começar?
![Antes da coisa toda começar](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2010/11/Antes-da-Coisa-Toda-Começar-04-Foto-João-Gabriel-Monteiro-590x302.jpg)
Por onde começar? – um dia perguntou-se Roland Barthes, tentando indicar aos jovens que iniciam uma pesquisa possíveis percursos a serem trilhados. Ao longo do texto ele distribui preciosas dicas para ajudar novatos a não sucumbir às muitas e muitas tentações – quase inevitáveis, nestes casos – quando se quer abraçar o mundo com as mãos. Nos jovens, ambição e descontrole costumam ser desmesurados.
Antes da coisa toda começar não é uma pesquisa de linguagem, embora tenha demandado à Cia. Armazém longos laboratórios de investigação – o que é, de saída, a proposta de não dormir sobre os louros conquistados. Esta nova criação está organizada em torno das possibilidades existenciais abertas à vida de três jovens que se interrogam sobre seus limites. A dramaturgia leva a co-assinatura de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, dupla que já testou suas possibilidades de escritura conjunta em ocasiões anteriores. O que confere ao trabalho – uma estruturação de ações criada em colaboração improvisacional com o elenco – o feitio de coisa de palco; ou seja, um desapego à noção corrente de texto e um investimento rente à cena, um apoio de palavras que, medidas e meditadas, não é simples compilação.
Santo/amargo
![O amargo santo da purificação](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2010/03/O-amargo-santo-da-purificação-Cisco-Vasques-590x393.jpg)
Quase todo mundo conhece a expressão de Marx: “é preciso mudar o mundo e não interpretá-lo”. Helio Oiticica vislumbrou uma outra direção: “é preciso que o mundo seja mundo do homem e não mundo do mundo”. A encenação de O amargo santo da purificação, novo trabalho de rua criado pela Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre, segue essa mesma vereda, trazendo à agenda um tema – a transformação do mundo – e uma personagem – Carlos Marighella – bem pouco convencionais.
Cabaré Hamlet ou das várias dificuldades de escrever a verdade
![Cabaret Hamlet Foto V. Arbelet](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2010/01/Cabaret-Hamlet-Foto-V.-Arbelet-590x400.jpg)
De tudo o que vi em 2009 nada me pareceu mais uma “questão de crítica” do que a montagem de Un Cabaret Hamlet, espetáculo de Mathias Langhoff assistido no Odéon, Paris, numa co-produção com o Théâtre Dijon Bourgogne-CDN.. Seu longo e tedioso nome completo é De casaco vermelho, a manhã atravessa a roseira que, à sua passagem, parece de sangue ou HAM. AND EX BY WILLIAM SHAKESPEARE UN CABARET HAMLET.
A boa e bela alma
![a alma boa de setsuan questão de crítica 2](http://www.questaodecritica.com.br/wp-content/uploads/2010/01/a-alma-boa-de-setsuan-questão-de-crítica-2.jpg)
A alma existe? Segundo Bertolt Brecht, não.
Para o maior teórico do teatro épico a humanidade prescinde dessa substância que, desde Aristóteles, permeou todas as indagações a respeito da natureza humana, constituída, segundo o filósofo grego, por três dimensões indissolúveis: a vegetativa, a sensitiva e a noética. Também alcunhada de chama, espírito, consciência, princípio vital, entre outras denominações, foi ela tomada como bela – a bela alma – após Schiller e o romantismo alemão, quando passou a reunir a capacidade de, simultaneamente, ser graciosa (quando a sensibilidade coincide espontaneamente com a lei moral) e virtuosa (quando a vontade é determinada pelo dever), impregnando a cultura alemã com tais traços idealista e transcendente em relação aos instintos.