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Castellucci e o juízo de deus
A cena é uma porrada. Desferida bem no centro do rosto, naquele ponto entre os olhos que os místicos costumam julgar como do terceiro olho. O espectador fica aturdido, sem respiração, ao final dos sessenta minutos de Sobre o conceito da face no filho de Deus, uma das emblemáticas encenações de Romeo Castellucci para a Societas Raffaello Sanzio (2010) apresentada como atração maior da vigésima edição do Porto Alegre em Cena.
Como outras criações da companhia, também essa coloca em cena não um mero jogo teatral, mas um teorema ontológico complexo, cuja substância conceitual deve ser perquirida pelo espectador. São apenas três cenas: na primeira, a mais longa, um filho dedicado cuida de um pai decrépito que se desfaz em fezes; na segunda, crianças jogam granadas contra a figura de Cristo; e a derradeira, quando essa mesma figura se auto dissolve.
Teatro de Operações
Antes de falar sobre a teatralidade na peça de Castellucci devo narrar o acontecimento da estréia e dos dias seguintes em que a peça esteve em cartaz, que mobilizou a polícia para garantir a ordem no Théâtre de la Ville. A peça que, ao fundo do cenário, reproduz o rosto de Cristo pintado por Antonello da Messina em Salvator Mundi, retrata a história de um pai, velho, com incontinência fecal, e que é ajudado pelo filho. É na incontinência do homem e na constante presença das suas fezes no cenário que o Instituto Civitas, um grupo francês fundamentalista, viu uma ofensa à religião católica.
O grupo extremista desde a estreia da peça, dia 20/10/11, tentou por várias vezes forçar a interrupção e o cancelamento do espetáculo acusando o encenador Romeo Castellucci de “cristianofobia” e desrespeito à imagem de Jesus. A situação provocou reações não só do próprio encenador e do Théâtre de la Ville, mas também da Igreja, que condena os atos de violência, defendendo que a Igreja promove e incentiva o diálogo entre a cultura e fé.