Acúmulo de solidão em cena

Crítica da montagem de Adágio, da Artesanal Cia. de Teatro

27 de julho de 2013 Críticas
Foto: Divulgação.

Em Adágio, a solidão desponta como tema no texto de Gustavo Bicalho e Mauro Siqueira e como proposta de atuação, lançada a Suzana Castelo e, em especial, a Márcio Nascimento. Ao estabelecer “contracena” com um boneco em escala humana, o ator é levado a acumular uma dupla função: encarrega-se das motivações de seu personagem e manipula o outro da cena – no caso, o boneco –, responsabilizando-se por suas reações. É uma circunstância distinta da habitual, em que os atores são estimulados pelo contato com os parceiros de cena. Em mais um momento da montagem assinada por Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves, os atores contracenam por via indireta. A atriz interage com o boneco – por sua vez, manipulado pelo ator, cujo personagem não está em cena nesse instante. Diferentemente da primeira passagem mencionada, nessa os dois intérpretes se encontram envolvidos na construção da situação, mas o fato de não firmarem uma relação direta também remete a um solitário estar em cena.

Essa solidão – em si, o elemento mais interessante em Adágio – se soma a um descompasso entre os atores – o que evidencia certa fragilidade do espetáculo. Enquanto Márcio Nascimento procura frisar as reverberações emocionais de seu personagem, Suzana Castelo oscila entre uma voz um pouco mais apagada e a contundência empregada nas sequências catárticas. A solidão dos atores pode ainda ser relacionada à necessidade de lidarem com material dramatúrgico frágil. A história do homem que vive encarcerado zelando pela mãe (representada pelo boneco), e reprime a atração por uma amiga e vizinha, atitudes decorrentes de uma culpa que o assombra permanentemente, é desenvolvida de forma melodramática, a julgar pela revelação descortinada na parte final. Se por um lado a preocupação em fechar uma trama soa excessiva, por outro alguns aspectos, como o fascínio do personagem por fragmentos de corpos de cavalos, resultam um tanto vagos.

A encenação da Artesanal Cia. de Teatro, apresentada no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil, é cercada de cuidados, a começar pela expressiva criação do boneco, a cargo de Alexandre Guimarães. O cenário de Carlos Alberto Nunes reproduz o interior da casa onde o personagem mora com a mãe por meio de objetos (mesa, cadeiras, caixotes) escuros e envelhecidos, uma banheira e uma janela suspensa, além de uma cortina em tom terroso ao fundo. A harmonia cromática é mantida nos figurinos de Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves, que acompanham o visual neutro da cena no personagem masculino (predomínio de marrom e cinza) e contrastam, mas sem perder de vista a sobriedade, nas roupas do personagem feminino (vinho e verde). A iluminação de Jorginho de Carvalho valoriza a atmosfera soturna e sombria da casa. A música – direção musical de Daniel Belquer, que fez a seleção com Márcio Malard, presente no palco tocando violoncelo – se limita a realçar climas emocionais e a imprimir velocidade ao andamento da cena.

Daniel Schenker é doutorando em teatro e crítico da revista Bravo! e do blog danielschenker.wordpress.com

Newsletter

Edições Anteriores

Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

Edições Anteriores