O avesso das convenções teatrais
Crítica da peça In on It
In on it, peça de Daniel MacIvor, desponta como um exercício intrigante. O termo exercício não diz respeito a um material apenas rascunhado, que não teria atingido um acabamento profissional, e sim a uma dramaturgia em aberto, “indefinida”, propícia à experimentação, principalmente no modo como diretor e atores lidam com a alternância de planos entrelaçados pelo autor.
Ao longo de toda a encenação, Enrique Diaz deixa a impressão de subverter convenções teatrais. Os atores Emílio de Mello e Fernando Eiras transitam, por exemplo, entre registros vocais diversos: no plano em que os personagens surgem “desarmados”, conversando de modo coloquial, suas vozes entram em sintonia com um naturalismo construído, destituído de efeitos; já no plano em que os personagens representam, os atores se valem de uma projeção mais tradicional, mais frequentemente encontrada em apresentações teatrais.
O diretor e os atores também “dialogam” com as convenções ao comporem os personagens circunstanciais que mencionam. Não por acaso, o personagem/ator de Fernando Eiras chama a atenção, em determinado momento, do personagem/ator de Emílio de Mello: “você não precisa fazer um velhinho”, diz Eiras, referindo-se à composição algo estereotipada do parceiro de cena, elemento integrante deste instigante jogo teatral. Enrique Diaz ainda desestabiliza o público ao potencializar cenicamente um falso desfecho proposto na dramaturgia.
As atuações de Emílio de Mello e Fernando Eiras transitam entre uma tomada de posição (ou, pelo menos, um comentário) acerca de um fazer teatral – no qual predomina o sugestivo em detrimento do concretizado (o instante em que Mello faz uso de um isqueiro para simbolizar um batom resume essa perspectiva) – e uma sinceridade transbordante em relação ao que está sendo dito. Daniel MacIvor utiliza, em certa medida, a estrutura para exprimir pontos temáticos de seu texto (traduzido com bastante fluência por Daniele Ávila). A alternância de planos valoriza o vínculo direto entre ator/personagem, vida/arte. E o autor coloca em questão as bordas demarcadoras de início e fim numa peça em que destaca o confronto do ser humano com a morte.
Enrique Diaz investe numa cena expressiva em sua limpeza e economia de recursos. A cenografia de Domingos de Alcântara se “reduz” a duas cadeiras e a uma utilização de pisos diferenciados, deixando espaço livre para os atores exercerem plenamente seus trabalhos. A iluminação de Maneco Quinderé oscila entre a neutralidade e a inserção, em momentos específicos, de tonalidades fortes. Os figurinos de Luciana Cardoso são os mesmos para os dois atores, variando somente nas escolhas dos sapatos e na inclusão de um casaco. A coreografia de Mabel Tude (somada à consultoria de movimento de Marcia Rubin) é importante aliada na projeção de personagens destituídos de sintonia, dessincronizados, ao fazer com que os atores contracenem marcados em direções diferentes, como que desencontrados no espaço.
Talvez Daniel MacIvor pudesse ter concebido uma estrutura mais simples para canalizar sua fala, o que não significa necessariamente uma defesa da dramaturgia linear, mas, seja como for, In on it é um espetáculo que aposta na autoria do espectador.