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Porque a vida não é bonita o bastante

Em É Só Uma Formalidade, seu espetáculo de estreia, o grupo mineiro Quatroloscinco Teatro do Comum escolheu tratar da ilusão, tema dos mais pertinentes à arte teatral. Se a vida não é bonita o bastante, como diz um dos quatro atores em cena, resta criar.
Interessados nos fracassos da trajetória humana e nas esperanças que se esvaem, os atores-criadores armam o espetáculo, porém, sem sucumbir simplesmente ao retrato do feio ou do sombrio. Se questionam a ficcionalização ilusória da realidade, há neles sobretudo uma crença na criação artística, que se expressa em uma dramaturgia irônica e pessimista, mas, ao mesmo tempo, em relações afetuosas entre os atuantes e destes com a plateia. Sinal de que, diante da falta de entendimento entre os personagens, o grupo não desistiu da comunicação com o público. O pessimismo, então, aparece como tema, não como fim.
Uma experiência do tempo, do espaço e da visão

Assistir a um espetáculo como Marcha para Zenturo é poder dizer que partilhamos de uma experiência teatral que aborda uma das questões mais caras ao drama: a do tempo. Não que essa peça seja um modelo perfeito do drama mais convencional, como os modelos que podemos destacar em Henrik Ibsen ou Anton Tchekov, mesmo que nos dois autores a crise da forma dramática já esteja instaurada e embora possamos perceber a maestria dramatúrgica que chega a velar essa crise, sabemos que suas escritas não procuram seguir à risca o modelo de pièce-bien-faite do drama clássico. O que a dramaturgia e a cena de Marcha para Zenturo apresentam são indícios de uma estrutura dramática no seu sentido mais singular, que pode ser exemplificada por Peter Szondi no livro Teoria do drama moderno: uma espécie de corte na cronologia, o domínio absoluto do diálogo intersubjetivo e o passado que se irrompe no presente dos diálogos ou aparece atualizado como próprio tema. É o caso da peça do Grupo XIX de Teatro e do Espanca!, duas importantes companhias do cenário teatral paulista e mineiro que se uniram para realizar um espetáculo onde o tempo (passado, presente e futuro conjugados de forma simbiótica), o “ver o outro” (a experiência do olhar o outro e ver a si) e uma melancolia que beira uma renúncia da vida (como aqueles personagens de Tchekhov) são questões primordiais para o que propõem em cena nesse belo espetáculo.