Traduções
O espectador emancipado
De Jacques Rancière
Tradução de Daniele Avila Small
Artigo publicado originalmente em inglês na revista ArtForum de março de 2007.
Eu chamei esta conversa de O espectador emancipado. A meu ver, um título é sempre um desafio. Ele apresenta o pressuposto de que uma expressão faz sentido, de que há uma conexão entre termos separados, o que também significa entre conceitos, problemas e teorias que à primeira vista não parecem ter qualquer relação direta entre si. De um modo, este título expressa o quanto fiquei perplexo quando Mårten Spångberg me convidou para dar a palestra que deve ser a “linha diretriz” desta escola. Ele disse que queria que eu iniciasse esta reflexão coletiva sobre “a condição do espectador” porque ele ficara impressionado com o meu livro O mestre ignorante [(Le Mâitre ignorant (1987)]. Eu comecei a me perguntar que conexão poderia haver entre a causa e o efeito. Esta é uma escola que reúne pessoas envolvidas no mundo da arte, do teatro e da performance para pensar a questão da condição do espectador hoje em dia. O mestre ignorante foi uma reflexão sobre a teoria excêntrica e o destino estranho de Joseph Jacotot, um professor francês que, no início do século XIX, agitou o mundo acadêmico ao afirmar que uma pessoa ignorante poderia ensinar a outra pessoa ignorante o que ela mesma não conhecia, proclamando a igualdade de inteligências e exigindo a emancipação intelectual no lugar da sabedoria recebida no que diz respeito à educação das classes mais baixas. Sua teoria caiu no esquecimento em meados do século XIX. Achei necessário reavivá-la nos anos 1980 para instigar o debate sobre a educação e suas balizas políticas. Mas que uso pode ser feito, no diálogo artístico contemporâneo, de um homem cujo universo artístico poderia ser resumido a nomes como Demóstenes, Racine e Poussin?
A obra de arte julga: o crítico no cambiante cenário teatral
Este artigo foi publicado originalmente em inglês, em novembro de 2000, na revista New Theatre Quarterly (NTQ 64, VOL XVI, PART 4). Josette Féral é crítica, teórica e professora na École Supérieure de Théâtre de l’UQAM, em Montréal, no Canadá, desde 1981.
“Os críticos julgam a obra de arte e não se dão conta de que a obra de arte julga os críticos.”
Jean Cocteau
O exemplo do esporte: A Copa do Mundo de julho de 98
Domingo, 12 de julho de 1998. A final da Copa do Mundo traz a França contra o Brasil. A França está ganhando de 3 a 0. Em poucos minutos, o jogo vai acabar. Pela primeira vez na História, contra todas as previsões dos críticos de esporte, a França está quase ganhando o jogo e, assim, entrando para o clube muito seleto de vencedores da Copa do Mundo. A exaltação do povo francês é sem precedentes: com um milhão e duzentas mil pessoas no Champs Elisées, a França se identifica totalmente com este time a que chamam “Les Bleus” e que reúne jogadores brancos, marrons e negros.