Autor Luciano Gatti
Mauser de Garagem. Les Commediens Tropicales e o teatro de Heiner Müller
Vol. IX, nº 67 abril de 2016 :: Baixar edição completa em PDF
Resumo: O artigo discute o espetáculo Mauser de Garagem, apresentado pela Companhia Les Commediens Tropicales no Galpão do Folias, em São Paulo. O texto situa a encenação da peça de Heiner Müller no âmbito da trajetória da companhia e do teatro de grupo de São Paulo, retomando a importância do teatro épico para os grupos de São Paulo, assim como a crítica apresentada por Müller aos pressupostos do teatro brechtiano. Com base nesses elementos, o artigo discute a encenação proposta pelos Commediens Tropicales.
Palavras-chave: Heiner Müller; teatro épico; teatro de grupo de São Paulo.
Abstract: The article discusses Mauser de Garagem, presented by Les Commediens Tropicales at Galpão do Folias in São Paulo. The text situates the staging of Heiner Müller’s play in the realm of the recent history of this and othes theater groups based in São Paulo. It also resumes the importance of the epic theater for groups of São Paulo, as well as Müller’s critical approach to Brechtian theater. The article finally discusses the staging proposed by Les Commediens Tropicales.
Key-words: Heiner Müller; Epic theater; theater groups in São Paulo
Uma ousada versão da peça Mauser de Heiner Müller, com direito a quarteto musical, um palco forrado de cacos de vidro e a projeção contínua de cenas de destruição, concluiu em janeiro de 2016, no Galpão do Folias em São Paulo, a retrospectiva de dez anos de atividades da companhia Les Commediens Tropicales. Passar o repertório em vista poderia ser uma mera autocelebração. Não é, porém, o caso desse grupo de teatro e de diversos outros que tiveram condições financeiras e artísticas de propor uma semelhante empreitada. Reencenar peças anteriores, sobretudo num contexto favorável à articulação interna de trabalhos surgidos em ocasiões diversas, é um meio de refletir a respeito da experiência acumulada. A estratégia vai, contudo, muito além da reorganização de elementos do passado e incide diretamente no trabalho presente e futuro dos grupos. Bem distante do clichê de que cada encenação é única e, portanto, sempre traz algo novo, uma retrospectiva como essa oferecida pelos Commediens Tropicales permite testar os espetáculos em novos espaços, repensar escolhas, e, não menos importante, colocar-se à prova diante de um público muitas vezes distinto daquele das encenações anteriores.
Clowns e gladiadores. Sobre o anacronismo de Filoctetes, de Heiner Müller.
Vol. VIII n° 66 dezembro de 2015 :: Baixar edição completa em pdf
Resumo: O artigo discute a encenação da peça Filoctetes, de Heiner Müller, pela Companhia Razões Inversas, sob direção de Márcio Aurélio, na Funarte, em São Paulo. Analisa-se o anacronismo da justaposição de clowns e gladiadores, proposto por Müller como estratégia de encenação, assim como críticas de Christoph Menke à pretensão não trágica do teatro de Müller.
Palavras-chave: Heiner Müller, tragédia, teatro épico
Abstract: The article discusses Heiner Müller’s play Philoctetes, staged at Funarte in São Paulo by Marcio Aurelio and Razões Inversas. It analyses the anachronism of the juxtaposition of clowns and gladiators, proposed by Müller as a staging device, as well as Christoph Menke’s criticism on Müller’s claim to a non tragic theater.
Keywords: Heiner Müller; tragedy; epic theater.
Como seria encenar uma tragédia grega no circo? Restaria algo do destino heroico ao ser arrastado para o picadeiro? Ou o esforço cairia no ridículo, tal como o palhaço, que cai para se levantar e cair novamente, repetindo o número até seu efeito se esgotar? Tamanho anacronismo foi pensado pelo dramaturgo e encenador alemão Heiner Müller como um modo de discutir os pressupostos da tragédia clássica e sua relação com o teatro recente. Sua reformulação do Filoctetes de Sófocles, elaborada entre 1958 e 1964, busca investigar, pela convocação de clowns para os papeis de gladiadores, a distância entre dois tempos. Em apontamentos sobre a peça, o autor diz: “O cômico na apresentação provoca a discussão de seus pressupostos. Só o clown coloca o circo em questão. Filoctetes, Odisseu, Neoptólemo: três clowns e três gladiadores em suas visões de mundo” (MÜLLER, 2005, p. 158). Se o clown provoca estranhamento, o mesmo se pode dizer do gladiador. Tal denominação para o guerreiro grego anuncia os traços romanos – o Estado e o direito – da Grécia clássica de Müller. Com material extemporâneo, constrói-se uma moldura para colocar o destino trágico em perspectiva. Mais que encenar um texto antigo, trata-se de confrontá-lo com as condições de encenação. Tal distanciamento perante a ação dos heróis gregos já vem preparada, na peça mesma, por um prólogo que tem o tom da advertência, senão da zombaria.
O terno: Peter Brook e o teatro épico
Vol. VIII, nº 65, agosto de 2015
Resumo: O artigo discute a encenação da O Terno, com texto de Can Themba e direção de Peter Brook, apresentada no Sesc Pinheiros de São Paulo em abril de 2015. Discute-se a retomada por Brook da concepção de teatro épico, proposta por Bertolt Brecht, e suas consequências para a elaboração de um espetáculo não-trágico.
Palavras-chave: Peter Brook; Bertolt Brecht; teatro épico.
Abstract: The article discusses The Suit, a theater play based on a short story by Can Themba and directed by Peter Brook, staged at Sesc Pinheiros in São Paulo in april 2015. It is discussed how Brook resumes Bertolt Brecht’s conception of epic theater and its consequences for an untragic show.
Keywords: Peter Brook; Bertolt Brecht; epic theater.
Por volta de 1968, Peter Brook dizia que qualquer espaço vazio poderia ser tomado como um palco. Um homem cruzando esse espaço enquanto outro o observa seria o suficiente para instaurar uma situação teatral. Assim começava “O espaço vazio”, o principal documento teórico do teatro de Brook (BROOK, 1996, p. 7). Em franca polêmica contra o amplo espectro do teatro de sucesso fácil de sua época, chamado por ele de “mortal” ou “mortífero”, ele confrontava o aparato costumeiro que ainda se entendia como uma aparelhagem sofisticada em concorrência com o cinema. Contra o espetáculo composto por cortinas vermelhas, sala escura e grandes refletores, Brook buscava apoio em mestres como Shakespeare e Bertolt Brecht para defender a eliminação de elementos supérfluos, de máquinas e efeitos cenográficos que sobrecarregam a encenação e desviam a atenção dos componentes básicos. O acento na simplicidade, contudo, não decorria de uma petição de princípio nem de purismo minimalista, muito menos de aversão à técnica, mas da convicção de que a função do teatro possa ser simplesmente abrir espaço e assim criar condições para que algo melhor apareça.
Ocupação SozinhosJuntos: Samuel Beckett segundo o Coletivo Irmãos Guimarães
Vol. VIII, nº 65, agosto de 2015
Resumo: O artigo discute três espetáculos da Ocupação SozinhosJuntos, concebida pelo Coletivo Irmãos Guimarães no Sesc Belenzinho de São Paulo: Quadrado, Sopro e Fôlego. O texto busca colocar em questão a relação entre teatro e performance proposta pelo Coletivo, de modo a debater tanto a relação entre as artes quanto a fidelidade ao texto beckettiano em encenações recentes de sua obra.
Palavras-chave: Samuel Beckett; performance.
Abstract: The article discusses three works by the Coletivo Irmãos Guimarães during the Ocupação SozinhosJuntos presented at Sesc Belenzinho in São Paulo: Quadrado, Sopro, Fôlego. It questions the relation between theater and performance art proposed by the artists in order to debate the connection between different art forms as well as the fidelity to Samuel Beckett’s writings in recent stagings of his work.
Keywords: Samuel Beckett; performance.
Durante os meses de maio e junho de 2015, o Coletivo Irmãos Guimarães apresentou no Sesc Belenzinho, em São Paulo, um conjunto de encenações, performances e discussões, todas elas tendo por eixo a obra de Samuel Beckett. Com o título inspirado num dos textos encenados (Improviso de Ohio), a Ocupação SozinhosJuntos evidencia a relevância crescente para a cena contemporânea brasileira da confluência de duas trajetórias: a recepção entre nós do escritor e dramaturgo irlandês e o trabalho de pesquisa e encenação levado a cabo pelos irmãos Adriano e Fernando Guimarães. Estabelecidos em Brasília, eles não são de modo algum novatos na exploração da obra de Beckett. Muito pelo contrário, frequentadores obsessivos desse universo, eles são responsáveis por um número respeitável de espetáculos, devidamente documentados no site do Coletivo (www.coletivoirmaosguimaraes.com). Qualquer interessado pode ali conferir o registro de encenações que vão da primeira incursão no teatro de Beckett, com a montagem de Dias Felizes, em 1998, ao reiterado enfrentamento das peças curtas da fase tardia do dramaturgo, entre elas Ir e Vir, Catástrofe, Jogo, Balanço e, mais recentemente, na presente Ocupação, Passos e Improviso de Ohio. Quem assistiu aos espetáculos ou consultou essa documentação, pôde constatar que o trabalho dos Irmãos Guimarães não se resume à encenação dos textos dramatúrgicos de Beckett. Um espetáculo do Coletivo é usualmente composto pela conjunção de encenações das peças e trabalhos próprios, originais, mas que guardam uma profunda relação com a obra beckettiana, desdobrando suas questões num terreno expandido, em que se transita do teatro à performance, com passagens pela dança, pelas artes visuais, pela música e pela literatura. O Coletivo desafia a demarcação rígida dos gêneros e das artes e propõe uma concepção própria de espetáculo.