Vol. VIII n° 66 dezembro de 2015 :: Baixar edição completa em pdf

Resumo: O artigo discute a encenação da peça Filoctetes, de Heiner Müller, pela Companhia Razões Inversas, sob direção de Márcio Aurélio, na Funarte, em São Paulo. Analisa-se o anacronismo da justaposição de clowns e gladiadores, proposto por Müller como estratégia de encenação, assim como críticas de Christoph Menke à pretensão não trágica do teatro de Müller.

Palavras-chave: Heiner Müller, tragédia, teatro épico

Abstract: The article discusses Heiner Müller’s play Philoctetes, staged at Funarte in São Paulo by Marcio Aurelio and Razões Inversas. It analyses the anachronism of the juxtaposition of clowns and gladiators, proposed by Müller as a staging device, as well as Christoph Menke’s criticism on Müller’s claim to a non tragic theater.

Keywords: Heiner Müller; tragedy; epic theater.

 

Como seria encenar uma tragédia grega no circo? Restaria algo do destino heroico ao ser arrastado para o picadeiro? Ou o esforço cairia no ridículo, tal como o palhaço, que cai para se levantar e cair novamente, repetindo o número até seu efeito se esgotar? Tamanho anacronismo foi pensado pelo dramaturgo e encenador alemão Heiner Müller como um modo de discutir os pressupostos da tragédia clássica e sua relação com o teatro recente. Sua reformulação do Filoctetes de Sófocles, elaborada entre 1958 e 1964, busca investigar, pela convocação de clowns para os papeis de gladiadores, a distância entre dois tempos. Em apontamentos sobre a peça, o autor diz: “O cômico na apresentação provoca a discussão de seus pressupostos. Só o clown coloca o circo em questão. Filoctetes, Odisseu, Neoptólemo: três clowns e três gladiadores em suas visões de mundo” (MÜLLER, 2005, p. 158). Se o clown provoca estranhamento, o mesmo se pode dizer do gladiador. Tal denominação para o guerreiro grego anuncia os traços romanos – o Estado e o direito – da Grécia clássica de Müller. Com material extemporâneo, constrói-se uma moldura para colocar o destino trágico em perspectiva. Mais que encenar um texto antigo, trata-se de confrontá-lo com as condições de encenação. Tal distanciamento perante a ação dos heróis gregos já vem preparada, na peça mesma, por um prólogo que tem o tom da advertência, senão da zombaria.