Autenticidade de relatos desarmados

Crítica da peça Música para cortar os pulsos, da companhia Empório de Teatro Sortido

21 de fevereiro de 2012 Críticas
Foto: Divulgação.

Música para cortar os pulsos, montagem da companhia Empório de Teatro Sortido que vem angariando prêmios e repercussão em festivais (melhor espetáculo da FITA 2011, Prêmio APCA 2010 de melhor peça jovem), conquista pela exposição do relato sincero, disposto diante do público de maneira direta. O autor Rafael Gomes procura expressar a intensidade das emoções juvenis, a reverberação passional de embates amorosos a partir do sofrimento decorrente de uma separação, de um desencontro de expectativas em relação a alguém muito próximo, do temor do afastamento que esse descompasso pode levar, do medo frente ao desconhecido.

Rafael Gomes, que acumula a função de diretor, investe numa marcação frontal com o evidente intuito de aproximar os espectadores do teor confessional do texto. Na condução do elenco, o diretor busca caminhar na contramão de um tom de declamação, de um registro de representação. Os atores se revelam desarmados em cena, como se estivessem expressando aquilo que verdadeiramente sentem, como se não portassem personagens, no sentido tradicional atribuído ao termo. A potência de Música para cortar os pulsos reside na habilidade em apresentar essa fala sem barreiras, dotada da espontaneidade de um desabafo, ainda que a preocupação com a construção da cena também sobressaia.

Os atores propõem dinâmicas variadas para a cena ao manipularem os pequenos tablados coloridos que integram a cenografia de André Cortez. Escrevem em paredes de azulejo as palavras (normalmente, impalpáveis) que intitulam cada uma das dez cenas que compõem o texto de Rafael Gomes. Valorizam as falas através da utilização de elementos (como os microfones adornados com lâmpadas). Sugerem imagens a partir deles e afastam a cena de uma perspectiva meramente literal, ilustrativa.

A iluminação de Marisa Bentivegna se torna um recurso bem utilizado na construção das cenas. Os figurinos de Anne Cerutti ressaltam a jovialidade dos personagens (Isabela, Felipe e Ricardo) por meio do investimento em cores intensas. A trilha sonora, que coloca o espectador diante de um heterogêneo e saboroso jogo de referências (Claude Debussy, Astor Piazzolla, Gal Costa, The Cure), expressa o impacto emocional que mobiliza os personagens. Mas cabe ressaltar que as músicas não definem a existência dos personagens, apesar de intitularem o texto e da importância que adquirem no espetáculo.

O texto de Rafael Gomes é estruturado por cenas curtas que se somam não exatamente na constituição de um enredo e sim da revelação do panorama afetivo que une o trio de personagens. Apenas uma delas destoa das demais, interrompendo o fluxo da montagem – aquela em que Isabela conversa com uma apresentadora de programa de televisão. A cena se justifica apenas como veículo para o virtuosismo de Mayara Constantino. Em todo caso, a atriz acaba se revelando o ponto de equilíbrio entre a busca de Victor Mendes por uma certa neutralidade e a habilidade de Fábio Lucindo em imprimir as intenções do personagem com organicidade conquistada através de apreciável grau de precisão.

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