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O passado eternizado
O projeto de O que você mentir eu acredito está fundado numa operação de Felipe Barenco sobre diversos contos de Caio Fernando Abreu. O autor realiza uma apropriação literária, recortando frases de seus contextos originais e inserindo-as numa nova configuração dramatúrgica. As frases são reunidas numa história única, que, contudo, preserva um caráter fragmentado.
Felipe Barenco expõe um painel de acidentada comunicabilidade familiar entre integrantes de diferentes gerações. Logo no começo da apresentação, os tempos mortos sobressaem através de um silêncio decorrente de um modo de funcionamento em que o principal não é verbalizado. Entretanto, para além desse enredo generalizante, o autor especifica questões. Em cartaz no Teatro Sesi, O que você mentir eu acredito se revela como uma peça sobre o descompasso temporal vivenciado por personagens que permanecem atrelados a uma tragédia ou que se conscientizam tarde demais de terem desperdiçado um período impossível de ser recuperado. Apesar de não possuírem obviamente acesso ao passado, os personagens se mostram estacionados nele.
A crítica, o artista e o intocável
Uma história que fala do medo da exposição e o seu limite. O bom canário, texto do norte-americano Zacharias Helm, que esteve em cartaz no Teatro Poeira até o dia 4 de março, expõe a vida do casal Annie e Jack no momento em que os dois tentam lidar com um sucesso literário e um vício em anfetaminas.
Com direção de Rafaela Amado e Leonardo Netto, a peça começa com uma espécie de prólogo, no qual os atores caminham em torno de Flávia Zillo (Annie) que, parada no centro do palco, nem parece escutar as falas de seus companheiros de cena que ditam as características do que seria uma pessoa de personalidade fraca e vulnerável. Insistem em sublinhar a ideia de que “não é o mundo que é pesado demais”, mas sim algumas pessoas que não têm força para viver nele. E esses seres não são geniais, são “bundões”.
Crônica de um divórcio entre ator e cenário
“Esse divórcio entre o homem e sua vida, entre o ator e seu cenário, é que é propriamente o sentimento do absurdo. Como já passou pela cabeça de todos os homens sãos o seu próprio suicídio, se poderá reconhecer, sem outras explicações, que há uma ligação direta entre este sentimento e a atração pelo nada.”
Albert Camus, “O mito de Sísifo”
Ao entrarmos no teatro, deparamos com um parque de diversões abandonado, com direito a trem fantasma, carrinho bate-bate, piscina de bolas, a coluna vertical em forma de termômetro que mede a força do martelo do aspirante a super-herói, e uma geringonça de difícil definição, espécie de gaiola, onde a princípio se aboleta o tenente. Além de evocar calorosamente o Tivoli Park, que ficava na frente do mesmo Jockey cujo teatro recebe hoje Ana e o tenente, o cenário chama a atenção pelo cuidado com que foi realizado. Em produção de proporções modestas, sua qualidade desponta como promessa de um espetáculo de qualidade.