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Tom e o barro – o complexo primitivo
Nota: Este texto foi originalmente publicado no livro Tom na fazenda, que integra a Coleção Dramaturgia da Editora Cobogó.
O ano de estreia da montagem brasileira de Tom na fazenda foi marcado pelo evidenciamento de uma expressiva onda conservadora que começou a se espalhar pelo Brasil e por tantos outros países como reação às liberdades conquistadas na virada do século. Em 2017, houve golpe político, movimentos de xenofobia, limpeza étnica, censura às artes, genocídio em comunidades pobres e indígenas, desmatamento desenfreado, crises econômica, política e ética, repressão das expressões “pagãs”, perseguições religiosas, homofobia. É nesse contexto que cai em nossas mãos Tom na fazenda, do canadense Michel Marc Bouchard.
O passado eternizado
O projeto de O que você mentir eu acredito está fundado numa operação de Felipe Barenco sobre diversos contos de Caio Fernando Abreu. O autor realiza uma apropriação literária, recortando frases de seus contextos originais e inserindo-as numa nova configuração dramatúrgica. As frases são reunidas numa história única, que, contudo, preserva um caráter fragmentado.
Felipe Barenco expõe um painel de acidentada comunicabilidade familiar entre integrantes de diferentes gerações. Logo no começo da apresentação, os tempos mortos sobressaem através de um silêncio decorrente de um modo de funcionamento em que o principal não é verbalizado. Entretanto, para além desse enredo generalizante, o autor especifica questões. Em cartaz no Teatro Sesi, O que você mentir eu acredito se revela como uma peça sobre o descompasso temporal vivenciado por personagens que permanecem atrelados a uma tragédia ou que se conscientizam tarde demais de terem desperdiçado um período impossível de ser recuperado. Apesar de não possuírem obviamente acesso ao passado, os personagens se mostram estacionados nele.
Concretude atravessada pela subjetividade
O trânsito entre a afirmação e a suspensão do realismo está na base de A propósito de Senhorita Julia, encenação que localiza no Brasil do século XXI a história da personagem-título, escrita por August Strindberg no final do século XIX. Walter Lima Jr. e José Almino também utilizaram outra apropriação do original de Strindberg, realizada pelo dramaturgo Patrick Marber, que transportou a ação para a Inglaterra da década de 40 do século XX.