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Marcha a ré
Cortejo-Teatro da Vertigem. Guiar de marcha a ré da Paulista até o cemitério da Consolação. O que as centenas de carros estacionados em fila dupla na contramão teriam conseguido perfazer exatamente?
Cumpriram um programa, bem devagar, com muitas paradas inesperadas, que evocavam às vezes habituais congestionamentos, mas também com alguns momentos alucinantes, em que guiar na ré extensivamente disparava uma atenção radical, um foco excedente na própria presença e no presente em torno.
Não raspar no meio fio, ou no carro ao lado, e seguir o de trás sempre se afastando, ainda cuidando de não se aproximar demais e bater, ou ser batido por quem está na frente, mas anda pra trás e vem pra cima.
Sobre Marcha à ré : Teatro da Vertigem, 2020
“Não é preciso conhecer a pessoa perdida para afirmar que isso era uma vida. O que se lamenta é a vida interrompida, a vida que deveria ter tido a chance de viver mais, o valor que a pessoa carrega agora na vida dos outros, a ferida que transforma permanentemente aqueles que sobrevivem. O sofrimento de um outro não é o seu próprio, mas a perda que o estranho suporta atravessa a perda pessoal que sente, potencialmente conectando estranhos em luto.”[1]
A intenção deste texto é expor alguns aspectos sobre o trabalho Marcha à ré, acerca da relação entre o seu processo de criação e o contexto sociopolítico que o Brasil vivencia.
Marcha à ré é uma performance-filme criada pelo Teatro da Vertigem em colaboração com Nuno Ramos, comissionada pela 11ª. Bienal de Berlim, e filmada por Eryk Rocha. Este novo trabalho do grupo consistiu na realização de uma intervenção artística site-specific na cidade de São Paulo, no dia 04 de agosto de 2020, terça-feira, às 22 horas. A partir de todo material colhido pela filmagem, o resultado foi o curta-metragem Marcha à ré, que teve sua estreia mundial na Bienal de Berlim, em 05 de setembro de 2020, e estreia no Brasil durante o Festival Internacional de Artes Cênicas Porto Alegre em Cena.
Geografia da exclusão
O Teatro da Vertigem evidencia a ampliação do conceito de texto por meio da utilização de espaços não-convencionais, a exemplo das apresentações em igreja (Paraíso Perdido), hospital (O Livro de Jó), presídio (Apocalipse 1,11), rio (BR3) e prédio (Kastelo). O público é inevitavelmente influenciado pela carga desses espaços – carga que se converte em texto não-verbal, confirmando que as vias de acesso aos espetáculos não se dão mais tão-somente pelas palavras proferidas pelos atores em cena.
A gênese da Vertigem
Conversa com Antonio Araujo, diretor do Teatro da Vertigem, sobre a trajetória do grupo e o livro A gênese da Vertigem – O processo de criação de O paraíso perdido.
Vertigem ética e estética
Gostaria de abordar a questão da cidadania que atravessa o trabalho do Teatro da Vertigem e, por extensão, as correlações entre ética, estética e política. Para tanto, alguns aspectos me parecem centrais: a) o grupo sente-se mobilizado em torno de temas/questões que tensionam a sociedade e nela flagram posições díspares, conflituosas ou em oposição; b) as temáticas religiosas encontram junto ao grupo um apelo muito forte, o que aponta para uma dimensão vital dentro da sociedade: as implicações da fé, das crenças e dos sistemas de valores; c) os logradouros públicos escolhidos para os espetáculos priorizam as interfaces sociais que os revestem, suas condições de “espaços em disputa”; d) o grupo pratica inúmeras modalidades de pedagogia, sejam internas ao coletivo sejam externas, abertas e voltadas para a sociedade.