A sinceridade e a limitação do relato emotivo

Crítica da montagem de Tudo sobre minha avó, do Grupo Garimpo

18 de junho de 2013 Críticas
Foto: Divulgação.

Novo trabalho do Grupo Garimpo, Tudo sobre minha avó se inscreve numa vertente de encenações recentes que buscam um registro de atuação transparente a partir da fala em primeira pessoa dos atores. Este projeto, como outros, investe numa quebra da hierarquia entre intérpretes e espectadores. Não por acaso, é realizado em espaços reduzidos e destinados a uma plateia concentrada.

Vale citar iniciativas que vêm percorrendo essa trilha, ainda que não de maneira semelhante. Em Ficção, reunião de monólogos da Cia. Hiato, cada ator discorria diante do público sobre acontecimentos de suas vidas, evidenciando o modo como se apropriaram dos fatos (portanto, como ficcionalizaram as experiências). Em Estamira, a atriz Dani Barros entrelaçava a jornada da personagem-título, realçando a lucidez contida em seu processo esquizofrênico, com o doloroso elo com a própria mãe. Em A alma imoral, Clarice Niskier se colocava frente aos questionamentos lançados pelo rabino Nilton Bonder em atuação destituída de vícios de declamação ou impostação. Em A falta que nos move… ou todas as histórias são ficção, os atores portavam a primeira pessoa, o que não significava que fossem os donos das histórias descortinadas. Em O que você gostaria que ficasse, Miguel Thiré estimulou uma equivalência entre atores e espectadores, dispostos em roda, apesar de, obviamente, os dois grupos permanecerem ocupando “lugares” diversos. Já em Luis Antonio-Gabriela, a operação de revelação se dava mais em relação ao diretor, Nelson Baskerville, que trazia à tona, numa encenação estilizada, as lembranças do irmão travesti, apartado de um convívio familiar marcado por tintas carregadas. E o projeto de Home Theatre, de Marcus Vinicius Faustini, levava cenas às casas de moradores de diferentes regiões do Rio de Janeiro, ambicionando um vínculo mais direto entre ator e espectador.

Apresentado dentro de um apartamento, Tudo sobre minha avó é constituído por três monólogos centrados, como o título indica, na evocação da figura da avó (intitulados com os nomes de cada uma – Evonilde, Maria e Nilza). Os espectadores são recebidos informalmente pelos atores (Douglas Amaral, Marina Mercier e o diretor Ricardo Libertini), deixando claro o desejo de caminhar na contramão de uma ritualização da cena. A configuração espacial é totalmente despojada. Os atores vestem roupas cotidianas e a concepção da cena aparece com discrição por meio de poucos elementos – a inclusão de uma cartolina com árvore genealógica desenhada e um vestido pendurado, a manipulação da luz e do som. A quase “invisibilidade” também é reforçada por uma dramaturgia (que contou com colaboração de Vanessa Silveira) que “tão-somente” dá vazão aos depoimentos, mesmo que seja possível detectar a recorrência de certos dados, como a distância (via a menção dos estados de Minas Gerais e Amazonas) e a proximidade geográfica (o bairro de Inhaúma, no Rio de Janeiro) das famílias e, particularmente, das avós. Talvez por não terem sido balizados por uma dramaturgia mais rigorosa capaz de propiciar algum distanciamento em relação às personagens, os atores projetam perfis um tanto idealizados das avós. As interpretações são mais pautadas pela sinceridade do relato emotivo do que pela construção de uma presença habilmente ocultada diante da plateia.

Se por um lado a interessante proposta de Tudo sobre minha avó (o título faz desgastada referência ao filme de Pedro Almodóvar, Tudo sobre minha mãe) é norteado por uma acertada crença no contato qualitativo entre ator e espectador, que independe da quantidade de público (ainda que não seja incompatível com o volume numérico), por outro integra um momento em que o teatro parece cada vez mais se tornar um evento, a julgar não só pelas plateias diminutas, como, principalmente, pelas temporadas meteóricas bastante frequentes no atual panorama.

Daniel Schenker é doutorando em teatro e crítico da revista Bravo! e do blog danielschenker.wordpress.com

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